Pode a depressão afastar a aplicação de sanções a alunos que, por causa desse transtorno psicológico, não conseguiram cumprir com suas obrigações acadêmicas em determinado prazo? Um bolsista que não conseguiu concluir seu programa de estudos em razão de quadro depressivo pode ser dispensado da obrigação de ressarcir os valores recebidos ao erário? Como conciliar os deveres dos alunos para com as instituições de ensino e os direitos fundamentais à educação e à saúde mental?
Sabe-se que a depressão é um transtorno mental frequente, que interfere no cotidiano, na vida familiar, afetiva, profissional, acadêmica e social do indivíduo. Ela tem como principais sintomas a apatia, a perda de interesse em várias atividades, um sentimento de desesperança, descontentamento geral, baixa autoestima, lentidão para tarefas básicas, alterações no sono e no apetite, isolamento social, dentre outros. Em casos mais graves, ela pode levar até ao suicídio.
A Organização Pan-Americana de Saúde estima que, em todo o mundo, mais de 300 milhões de pessoas sofram com esse transtorno (https://www.paho.org/pt/topicos/depressao). De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, o Brasil tem apresentado um aumento na incidência dos casos de depressão; 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico dessa doença (https://www.cnnbrasil.com.br/saude/pesquisas-apontam-aumento-nos-casos-de-depressao-no-brasil/).
A Constituição Federal de 1988 consagrou a saúde como direito social (art. 6º, caput), estabelecendo que ela é direito de todos e dever do Estado (art. 196). Uma das espécies do direito à saúde, evidentemente, é o direito à saúde mental. A Lei Federal nº 10.216/2001, em seu art. 3º, dispõe que é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família.
Atenta a essas diretrizes, a jurisprudência pátria tem passado a adotar o entendimento de que a depressão constitui motivo de força maior, idôneo, portanto, para afastar sanções aplicadas a alunos que ficaram impossibilitados de cumprir suas obrigações acadêmicas. Vejamos os seguintes precedentes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. FORÇA MAIOR. OCORRÊNCIA. ENFERMIDADE COMPROVADA. AGRAVO PROVIDO. – Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que, em sede de ação ordinária, indeferiu o pedido de tutela de urgência, objetivando determinar à parte agravada que proceda a imediata reintegração da recorrente ao Curso de Engenharia da Computação, trancando-a por situação de saúde. A agravante defende, em síntese, que não poderia ter sido desligada do curso enquanto estivesse necessitando de tratamento médico psiquiátrico. – O art. 207 da Constituição Federal estatui que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, que se traduz na competência para autodeterminar-se e autorregulamentar-se. – A autonomia universitária também é garantida pela Lei nº 9.394/96, que expressamente dispõe sobre a autonomia para a elaboração dos estatutos e regimentos a serem aplicados no seu âmbito de atuação. – Embora a instituição de ensino tenha agido de acordo com as normas regulamentares, é de se aferir se no 2º semestre de 2021 a agravante possuía condições físicas e mentais de realizar suas atividades rotineiras. Não obstante ter afastamento médico documentado somente a partir de 22/11/2021, verifico a probabilidade do direito alegado. – Há laudo psiquiátrico informando que a agravante apresenta sintomas depressivos desde a infância e que foram agravados com a pandemia da Covid-19. – No caso, a impossibilidade de realizar as atividades e comparecer na universidade decorreu de fato alheio à vontade da recorrente. Eventual cerceamento no direito de permanecer no curso, com afastamento médico, ofenderia ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que impede o legítimo exercício do direito constitucional à educação, por questões que não poderiam ter sido imputadas à agravante, vez que dos documentos juntados aos autos, é possível verificar que a aluna não possuía discernimento suficiente para tratar de questões rotineiras, quer sejam acadêmicas, profissionais ou sociais. – Dessa maneira, a r. decisão agravada deverá ser reformada, determinando que a parte recorrida promova a imediata reintegração da agravante ao Curso de Engenharia da Computação, afastando-a por situação de saúde até a alta médica. – Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO. AI 5014237-60.2022.4.03.0000. RELATORA: Desembargador(a) Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, TRF3 – 4ª Turma. DJE, DATA: 08/11/2022 – Grifamos).
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ENSINO SUPERIOR. INDEFERIMENTO DE REABERTURA DE MATRÍCULA. JUBILAMENTO. AFASTAMENTO DA UNIVERSIDADE POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR. DOENÇA PSICOLÓGICA. AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Trata-se de apelação cível, em face de sentença que julgou improcedente o pedido autoral, que objetivava o restabelecimento do vínculo, como discente, no curso de Ciências Contábeis da UFRN.
2. O cerne da questão a ser aqui dirimida consiste em saber se o autor, ora apelante, tem direito (ou não) à reabertura de matrícula no curso de Ciências Contábeis, o que lhe foi negado administrativamente.
3. O jubilamento constitui um tema que deve ser cuidadosamente analisado, levando-se em consideração as peculiaridades de cada caso, uma vez que, se por um lado há de se dar destaque às dificuldades que assolam o país na área da educação, sendo inconcebível, por isso, que sejam mantidas vagas ociosas, por outro, não se pode olvidar que existem casos em que o afastamento do aluno ocorre contra sua vontade, por motivos de força maior.
4. Na hipótese dos autos, restou demonstrado através do parecer psicológico acostado pelo apelante, que não foi voluntário o seu afastamento da Universidade, mas sim em decorrência de sofrimentos psíquicos, frutos de perturbações mentais. Desta forma, o demandante logrou provar que o seu afastamento não se tratou de simples abandono de curso, de forma desmotivada, eis que juntou aos autos prova inequívoca de que não tinha condições de dar continuidade aos estudos no período em que se manteve afastado.
5. Além do mais, o ato de desligamento não foi precedido do regular estabelecimento da ampla defesa e contraditório, em flagrante ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal. A decisão que culminou no ato de jubilamento do apelante ocorreu de forma unilateral, na medida em que apenas foi expedida uma notificação pelo sistema SIGAA, não podendo tal ato ser considerado como modalidade de defesa que oportunizaria o mais amplo e efetivo contraditório ao aluno.
6. Demonstrado nos autos o motivo de força maior que impossibilitou o autor de efetuar a sua matrícula na universidade, deve ser reativado o seu cadastro com a autorização para que seja realizada a matrícula no curso de Ciências Contábeis.
7. Apelação provida.
(TRF-5, PROCESSO: 08011350420134058400, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 26/06/2014 – Grifamos)
A provocação do Poder Judiciário é a única medida cabível quando a instituição de ensino, após ser instada na esfera administrativa, insiste em aplicar sanções a estudante que teve os seus rendimentos acadêmicos prejudicados por depressão. A Lima & Volpatti contém uma equipe de especialistas em Direito Administrativo, apta a fazer a propositura e o acompanhamento de ações judiciais dessa natureza, em defesa dos direitos à educação e à saúde mental do assistido.
Fabio Monteiro Lima é advogado, sócio-fundador da Lima e Volpatti Advogados Associados e especialista em direito público.
Lucas de Lima Gualda é advogado, associado da Lima e Volpatti.