O que o gabinete do ódio e o escândalo da Cambridge Analytica tem em comum e como os seus dados são utilizados para te influenciar.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes abriu um novo inquérito para investigar a existência de uma quadrilha digital que age contra a democracia. O ato foi expedido nesta quinta-feira (01/07) e o ministro manda investigar as deputadas federais Paula Belmonte (Cidadania-DF) e Aline Sleutjes (PSL-PR) por suposta participação nestes fatos.
Na nova investigação, são citados diversos parlamentares, tais como um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, e a deputada Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A organização criminosa, também intitulada de “gabinete do ódio” tinha forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inquérito 4781 (dos atos antidemocráticos), com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito.
De acordo com o ministro:
“Essa organização defende a necessidade de exclusão dos Poderes Legislativo e Judiciário na tríade do sistema de freios e contrapesos da Constituição Federal, ora atacando seus integrantes, especialmente, no caso do Congresso Nacional, dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ora pregando a própria desnecessidade de tais instituições estruturais da Democracia brasileira […] ou seja, pregam de maneira direta o afastamento da Democracia representativa, com o retorno do Estado de Exceção, a partir do fechamento do órgão de reunião de todos os representantes eleitos pelo voto popular para o Poder Legislativo, e a exclusão do órgão constitucionalmente incumbido da defesa da Constituição Federal, induzindo e instigando a extinção total ou parcial do Supremo Tribunal Federal, como representação máxima do Poder Judiciário.”
E o que tudo isso tem a ver com a Cambridge Analytica?
A Cambridge Analytica era uma empresa de análise e mineração de dados que trabalhou para as campanhas do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e na campanha do Brexit.
Uma das maiores discussões sobre o escândalo foi o fato de que a Cambridge Analytica teria conseguido influenciar de forma ativa as eleições presidenciais americanas por meio de propaganda direcionada a certos usuários. A empresa usou informações pessoais de 50 milhões de perfis que foram obtidas por um pesquisador externo.
A empresa teria adquirido os dados por meio da plataforma Facebook, e criou um algoritmo que cruzava os dados e criava um perfil psicológico dos usuários. Os usuários que tinham perfis que os consideravam mais “influenciáveis” eram, então, bombardeados com propagandas e fake News contra os candidatos adversários.
A prática chama-se profiling e é definida na GDPR (General Data Protection Regulation) em seu art. 4º
«Definição de perfis», qualquer forma de tratamento automatizado de dados pessoais que consista em utilizar esses dados pessoais para avaliar certos aspetos pessoais de uma pessoa singular, nomeadamente para analisar ou prever aspetos relacionados com o seu desempenho profissional, a sua situação económica, saúde, preferências pessoais, interesses, fiabilidade, comportamento, localização ou deslocações;
Essa prática já é usual para empresas, mas ainda não tinha sido explorada para influenciar votações. Os dados usados pela Cambridge Analytica que contavam com mais de 9.000 pontos sobre a personalidade de cada indivíduo, que vão desde sua movimentação geográfica diária, contatos periódicos, nível cultural, extratos bancários e até suas mais sutis preferências, desejos, medos e anseios.
Inclusive, o Facebook anunciou que as contas de pelo menos 87 milhões de pessoas foram atingidas em 10 países, e, segundo suas estimativas, os dados pessoais de 4,5 milhões de brasileiros foram usados sem consentimento prévio.
A atuação da Cambridge Analytica foi considerada uma ameaça à democracia por influenciar eleições por meio de propagação de Fake News que eram direcionadas, de forma extremamente eficientes, a usuários que tinham perfil para ser influenciado.
Ao que parece, o gabinete do ódio utilizava técnica similar, propagando vídeos em que prezam pela subversão da ordem democrática e ameaça aos Poderes do Estado. Não seria surpreendente descobrir que esses vídeos eram direcionados para usuários específicos, com mais tendência a acreditar ou se influenciar pelas mídias propagadas.
Por isso que a Lei Geral de Proteção de Dados buscou proteger os dados dos usuários, obrigando que os provedores de aplicação, como Facebook, Instagram e outras redes sociais, se adequem à legislação e protejam os dados dos usuários.
Os seus dados são o ativo mais importante do mundo e com a autodeterminação informativa (art. 2º, II) disciplinada pela LGPD o usuário agora consegue saber exatamente quais dados seus estão sendo coletados e pode, ainda, pedir a retirada dos dados da plataforma.