O BANCO ENCERROU MINHA CONTA SEM PERMISSÃO, E AGORA?

Nos processos judiciais, é existente a controvérsia se o cancelamento unilateral da conta bancária é visto sob o manto da legalidade ou abusividade da instituição financeira. Em vista disso, o presente artigo busca esclarecer aos seus leitores quando o cancelamento da sua conta bancária ultrapassa os limites que devem ser respeitados pelo banco, e se torna caso de danos morais.

Inicialmente, destaco que a relação jurídica existente entre o cliente e o banco, é meramente de consumo. Uma vez que o banco exerce atividade empresarial bancária e o cliente é destinatário final dos produtos e serviços ofertados, enquadrando-se a relação, no teor do que dispõem os arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990, bem como a Súmula 297 do c. STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Assim, consoante o caput do artigo 14 do Código do Consumidor, tem-se que a regra geral para a responsabilidade pelo fato do serviço é que o fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, tratando-se, assim, da responsabilidade objetiva. 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 

[…]

Logo mais, a prestadora do serviço, somente se eximirá do dever de indenizar se demonstrar, nos termos do § 3º do dispositivo supramencionado, a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: 

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; 

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 

[…]

Dispõe, ainda, o Código de Defesa do Consumidor: 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas 

[…] 

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; 

[…] 

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

Neste sentido, Banco Central do Brasil, autarquia responsável por regular e supervisionar o Sistema Financeira Nacional (SFN), em sua Resolução nº 2025/93, dispôs sobre normas relativas à abertura, manutenção e movimentação de contas de depósitos, no qual possui a seguinte previsão:

Art. 12. Cabe à instituição financeira esclarecer ao depositante acerca das condições exigidas para a rescisão do contrato de conta de depósitos à vista por iniciativa de qualquer das partes, devendo ser incluídas na ficha-proposta as seguintes disposições mínimas: 

I – comunicação prévia, por escrito, da intenção de rescindir o contrato; 

II – prazo para adoção das providências relacionadas à rescisão do contrato; 

III – devolução, à instituição financeira, das folhas de cheque em poder do correntista, ou de apresentação de declaração, por esse último, de que as inutilizou; 

IV – manutenção de fundos suficientes, por parte do correntista, para o pagamento de compromissos assumidos com a instituição financeira ou decorrentes de disposições legais; 

V – expedição de aviso da instituição financeira ao correntista, admitida a utilização de meio eletrônico, com a data do efetivo encerramento da conta de depósitos à vista. 

Parágrafo 1º A instituição financeira deve manter registro da ocorrência relativa ao encerramento da conta de depósitos à vista. 

Parágrafo 2º O pedido de encerramento de conta de depósitos deve ser acatado mesmo na hipótese de existência de cheques sustados, revogados ou cancelados por qualquer causa, os quais, se apresentados dentro do prazo de prescrição, deverão ser devolvidos pelos respectivos motivos, mesmo após o encerramento da conta, não eximindo o emitente de suas obrigações legais. 

Art. 13. A instituição financeira deverá encerrar conta de depósito em relação à qual verificar irregularidades nas informações prestadas, julgadas de natureza grave, comunicando o fato, de imediato, ao Banco Central do Brasil.

Em consonância ao artigo supramencionado, é previsto a possibilidade das instituições bancárias rescindirem os contratos existentes com os seus clientes de forma unilateral, porém, devem seguir às regras previstas na Resolução do Banco Central n. 2025/93 e às normas de proteção ao consumidor, as quais proíbem que o fornecedor de serviços pratique condutas abusivas em desfavor do consumidor, deixando-o em situação de desvantagem.

Nesta ilação, o encerramento unilateral e injustificado do negócio jurídico, inclusive, sem qualquer notificação prévia ao consumidor, ou cumprimento das medidas mencionadas, mostra-se ilícita e abusiva, por afrontar os princípios dos sistemas de direito do consumidor e do direito civil.

Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. ENCERRAMENTO DE CONTA CORRENTE DE PESSOA JURÍDICA DE FORMA UNILATERAL E IMOTIVADA. DESINTERESSE COMERCIAL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. DECISÃO REFORMADA. 

1. Para a concessão da tutela de urgência são imprescindíveis os requisitos do art. 300 do CPC, quais sejam, prova que convença da probabilidade do direito alegado, risco de dano irreparável e de difícil reparação e irreversibilidade da medida, o que se verifica no caso em exame. 

2. Embora a instituição bancária não seja obrigada a manter o contrato de prestação de serviços com sua cliente, o rompimento da relação negocial há de ocorrer com observância à legislação e aos princípios da boa-fé e da confiança legítima, sob pena de imperar a insegurança nas relações comerciais. 

3. Na hipótese, evidencia-se fundado receio de dano irreparável, em razão da possibilidade de a empresa ficar impedida de cumprir suas obrigações ordinárias por meio dos serviços anteriormente prestados pelo banco. 

4. Agravo de Instrumento conhecido e provido. Unânime. 

(Acórdão 1155618, 07167564720188070000, Relator: FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 20/2/2019, publicado no DJE: 11/3/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGENCIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ENCERRAMENTO UNILATERAL DA CONTA CORRENTE. REQUISITOS. RESOLUÇÃO DO BACEN Nº 2025/93. ART. 39, II E IX, CDC. VIOLAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 

1. Apesar da instituição bancária não ser impedida de rescindir os contratos existentes com os seus clientes, a rescisão deve seguir as regras previstas na Resolução do Banco Central nº 2025/93, além, da observância dos princípios norteadores das relações consumeristas, a fim de não colocar o usuário do serviço em situação de extrema desvantagem. 

2. Evidenciada a ocorrência do encerramento unilateral da conta corrente, bem como a existência do fundado risco consubstanciado na inviabilização da correntista utilizar os serviços bancários previamente contratados, a antecipação da tutela deve ser deferida. 

3. Presença dos requisitos da plausibilidade do direito, do perigo de dano e de irreversibilidade da medida, que autorizam a antecipação da tutela. Art. 300 do CPC/2015. 

4. Agravo de Instrumento conhecido e provido. 

(Acórdão 1025315, 07051687720178070000, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 21/6/2017, publicado no DJE: 11/7/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

CIVIL E PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR. NULIDADE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DE DOCUMENTOS. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO BANCÁRIO. CONTA CORRENTE. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. OBRIGAÇÕES ANEXAS AO CONTRATO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. RESCISÃO UNILATERAL. INDEVIDA. 

1. O fato de a fundamentação da decisão não convergir com os interesses defendidos pelos litigantes não implica vício. O magistrado deve expor suas razões de decidir que não serão necessariamente alicerçados nos argumentos ventilados pelos demandantes. 

2. O princípio da boa-fé objetiva, como cláusula geral, norteia o negócio jurídico. Entre outras obrigações e deveres, a violação à boa-fé objetiva implica ferir a confiança que se gerou na outra parte. Inteligência do artigo 422 do Código Civil. 

3. O encerramento unilateral de conta bancária por parte da instituição financeira tem como requisito a ciência inequívoca do correntista, sob pena de desrespeitar o princípio da boa-fé e as obrigações anexas ao contrato. 

4. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. 

5. Negou-se provimento ao apelo. Honorários recursais fixados. 

(Acórdão 1219922, 07031856920198070001, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 27/11/2019, publicado no PJe: 7/1/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada, grifo nosso) 

Uma vez realizado o negócio jurídico de abertura de conta corrente impõe-se ao banco efetivar a correta prestação de serviços, nos moldes legais, sem qualquer vício ou defeito, que da mesma forma se dará durante o cancelamento de seus serviços.

Sendo assim, mesmo na hipótese de ter ocorrido a notificação a respeito do encerramento da conta corrente pela a instituição bancária, e embora tenha havido disponibilização de prazo para que o correntista tomasse as medidas cabíveis para a abertura e transferência de suas obrigações para outro estabelecimento bancário, caso não tenha sido fornecida qualquer justificativa para o encerramento, indica a ocorrência de violação ao direito do correntista/consumidor, além do periculum in mora, consubstanciado no risco irreversível de o consumidor ter sua conta encerrada indevidamente.

Em caso de cancelamento indevido da conta bancária, há possibilidade de requerer Danos Morais?

Como se sabe, o dano moral decorre de uma violação de direitos da personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de dignidade da vítima. 

As disposições dos artigos 186 e 927, do Código Civil, assim dispõe:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 

Desse modo, define-se dano moral como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor, vicissitude do cotidiano ou mesmo o descumprimento contratual, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização cujo valor é fixado judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica. 

Portanto, em análise a situação do cancelamento da conta bancária unilateralmente pela instituição financeira, para que o fato seja enquadrado como passível de dano moral, na forma do art. 5º, inciso X, da Constituição da República, é necessário a existência de um ato ilícito, a comprovação de que tal ato causou algum fato caracterizado como dano moral, e se tal fato gerou um dano. 

Um exemplo que pode ser mencionado para a caracterização de danos morais, é demonstrado quando a instituição bancária desativa a conta e apenas posteriormente, informa ao cliente sobre a situação.

Todavia, apenas o mero inadimplemento contratual, que não gera ofensas aos tributos da personalidade, não caracteriza dano moral. 

Ressalto que a reparação moral exige que o ato ilícito extrapole a inadimplência contratual ou os meros dissabores do cotidiano e cause, ao ofendido, lesão direta aos direitos de personalidade dele. É imperativa a comprovação de situação excepcional, capaz de gerar danos à imagem, à honra ou à saúde da vítima, por exemplo, ou de afetar sobremaneira o exercício dos atos em sociedade.

Da mesma forma, é necessário o evidente nexo de causalidade entre a conduta do Banco, de encerrar a conta bancária do consumidor sem avisar com a antecedência necessária, e o dano verificado, referente à impossibilidade do exercício de atividades financeiras básicas. 

Por fim, dada a natureza consumerista da relação jurídica entre os litigantes, a responsabilidade do fornecedor Réu é do tipo objetiva, que dispensa a demonstração da culpa, bastando, para a configuração do dever de indenizar, a prova da conduta, do dano e do nexo causal entre ambos.

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