NOTA DO EDITOR: Este texto comemora a chegada à equipe LNV de Giovanna Ghershel, bacharel em direito pela Universidade de Brasília, com experiência em comunicação organizacional. Foi repórter do JOTA cobrindo o CARF (área tributária) e tem amplos estudos na defesa dos direitos das mulheres e direito digital. Pelas mulheres, falam as mulheres. Seja bem-vinda, Giovanna. Boa leitura a todos.
I – CONTEXTO
No primeiro domingo de fevereiro (3), a cantora Luiza Sonza teve o seu perfil na rede social Instagram invadido e, com isso, uma foto íntima da cantora foi publicada sem o seu consentimento. Mesmo após a imagem ter sido apagada, Sonza se tornou mais uma vítima de importunação sexual.
Esta conduta tornou-se crime específico com a Lei n˚ 13.718/2018, conceituando-o como a divulgação de imagens, sem o consentimento da vítima, que contenham cenas de sexo, nudez ou pornografia.
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
A inovação agrava a pena da exposição pública da intimidade sexual como crime, antes equiparada com os crimes de difamação ou injúria, que tinham como pena máxima de 1 ano de detenção e multa. Além disso, a única norma específica que criminalizava esse compartilhamento de imagens era o Estatuto da Criança e do Adolescente, que só se aplicava nos casos em que a vítima era menor de idade. Agora, com a alteração, a divulgação de imagens íntimas sem o consentimento da vítima garantiu uma punição mais severa, tirando a questão da seara dos juizados especiais criminais (antiga pequenas causas) e dando mais ferramentas de investigação dos autores do crime.II – PRIMEIROS PASSOS As primeiras providências que a vítima deve tomar são:
1) salvar a imagem que foi divulgada,
2) fazer um boletim de ocorrência e solicitar a retirada do conteúdo no site/rede social em que a foto foi exposta. Para isso, é possível a utilização do Marco Civil da Internet (Lei n˚ 12.965/14). Neste momento, a presença da advogada ainda não é obrigatória, mas se presta a fiscalizar e acelerar a conduta policial e prestar apoio à vítima. Em casos de conteúdos gerados por terceiros envolvendo divulgação sem autorização de imagens, vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, a vítima ou seu representante legal poderão, diretamente e sem a necessidade de ordem judicial, notificar o provedor de aplicações que hospeda o conteúdo. Caso o provedor não remova o conteúdo do ar, ele poderá responder subsidiariamente com o terceiro responsável pela divulgação das imagens.
Lei n˚ 12.965/14. Art. 21.
O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.III – BUSCANDO REPARAÇÃO Além da punição na esfera penal, muitas vezes útil para definir a origem do crime, é possível exigir uma reparação civil para a vítima. Um dos maiores terminou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabeleceu a indenização no valor equivalente a R$ 114 mil reais. Como a correção monetária passaria a ser contada a partir de agora – e o crime ocorreu em 2002 – a multa passaria para cerca de R$ 306 mil reais. Entretanto, a atual jurisprudência demonstra que geralmente as decisões estabelecem multa entre R$10 mil a R$20 mil reais. Como os casos tendem a exigir perícia, devem ser requeridos na justiça cível comum, com a presença obrigatória de advogada em defesa da vítima. IV – Qual a relação entre importunação sexual, pornografia de vingança e Lei Maria da Penha? A Lei n˚ 13.718/2018 incorporou a pornografia de vingança como ato de importunação sexual. A denominação “revenge porn” (pornografia de vingança), surgiu em outubro de 2007 nos Estados Unidos, passando a integrar o Urban Dictionarys.
A pornografia de vingança constitui a prática, realizada normalmente por ex-namorados ou ex-cônjuges que, indignados com o fim da relação, expõe fotos e vídeos íntimos das suas ex-parceiras com o intuito de destruir sua imagem. Essa prática é legitimada por uma grande parte de usuários que vão atrás dessas imagens que expõem a intimidade alheia.
A associação SaferNet Brasil tem como função investigar, juntamente com os Ministérios Públicos Estaduais e Federais, a prática de crimes e violações contra os Direitos Humanosna internet. De acordo com a pesquisa realizada juntamente com o canal de comunicação Helpline Brasil, em 2017, o site recebeu 289 denúncias de pornografia de vingança – 204 vítimas eram do sexo feminino e 85 do masculino -, um aumento de 411% comparado com o ano de 2012, que registrou somente oito ocorrências.
A pornografia de vingança, no contexto da Lei Maria da Penha, é justificada não somente pelo fato do vídeo ter sido exposto ou utilizado como forma de extorsão ou de violência psicológica à mulher, mas também pela relação de afeto entre vítima e o agressor que é usual na pornografia de vingança. A Lei 11.340/2006 define em seu artigo 5˚ violência doméstica, e no artigo 7˚ da referida lei é especificado e diferenciado os tipos de violência que são consideradas as domésticas e familiares. Não é necessária que a violência seja praticada apenas no âmbito doméstico, aceitando também que qualquer relação íntima de afeto independentemente da coabitação se configure no artigo, considerando assim que, mesmo que o agressor não coabite com a vítima, que ele seja julgado por esta lei. A violência também não precisa necessariamente oferecer dano físico, sendo tipificados como violência doméstica as agressões que resultam em dano psicológico, moral ou patrimonial.
Portanto, além da vítima ter o suporte da Lei n˚ 13.718/2018 e do Marco Civil da Internet, ela também pode se utilizar da Lei Maria da Penha caso ela tenha alguma relação com quem tenha divulgado suas imagens.
*Giovanna Ghersel é advogada, bacharel pela Universidade de Brasília com a monografia “Regularização cibernética nos casos de pornografia de vingança”, com estudos em direito digital e combate à violência contra a mulher, além de direito tributário, tendo sido correspondente do portal JOTA junto ao CARF. É associada ao escritório Lima, Nunes e Volpatti – Advocacia e Consultoria.