Casos de violência doméstica continuam a aumentar no país, demonstrando um futuro preocupante para as brasileiras.
O goleiro Jean, do São Paulo, foi preso no dia 18/12/2019 no estado americano na Flórida, por ter proferido 8 socos em sua mulher Milena Benfica. De acordo com o boletim de ocorrência disponibilizado pela justiça americana, as filhas do casal presenciaram as agressões.
Os funcionários do hotel em que o casal estava hospedado que fizeram a denúncia para a polícia americana, que conseguiu chegar ao local a tempo
No mesmo dia a ex-participante do reality show “A Fazenda”, Monick Camargo, foi agredida pelo seu noivo por se recusar a participar de uma orgia.
Mesmo após a Lei Maria da Penha, (Lei nº 11.340/06) os casos de violência contra a mulher continuam a crescer.
De acordo com os dados levantados pelo Datafolha, em uma pesquisa encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil. Além disso, 22 milhões de brasileiras passaram por algum tipo de assédio.
Cabe ressaltar que há diversos tipos de violência contra a mulher, sendo que a Lei Maria da Penha compreende como tipos de violência a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. O último ponto do ciclo de violência acaba sendo o feminicídio, sendo indispensável a intervenção já nos outros tipos de violência.
E engana-se quem pensa que violência doméstica é resultado de baixo índice econômico ou de uma estrutura econômica deficiente. O crime é praticado em todas as classes sociais, sendo inclusive o Distrito Federal, um dos estados mais ricos do país, o 5º Estado com a maior taxa de feminicídios por grupo de 100 mil mulheres, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
E, embora a dependência financeira seja um dos fatores que prendam a mulher em um relacionamento abusivo, dinheiro não é a solução para as vítimas. De acordo com o Ipea, baseado nos dados do suplemento de vitimização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o índice de violência contra as mulheres que integram a população econômica ativa (52,2%) é praticamente o dobro do registrado pelas que não compõem o mercado de trabalho (24,9%).
“Os autores do estudo notaram que existe uma relação complexa entre a participação feminina no mercado de trabalho (PFMT) e as chances de a mulher sofrer violência doméstica. Entre os casais que continuam coabitando, a PFMT faz com que diminua a probabilidade de a mulher sofrer violência pelo cônjuge. No entanto, entre os casais que não mais coabitam, estimou-se um significativo efeito positivo entre a PFMT e as chances de violência perpetrada pelo cônjuge.
Uma possível explicação é que, pelo menos para um conjunto de casais, o aumento da participação feminina na renda familiar eleva o poder de barganha das mulheres, reduzindo a probabilidade de sofrerem violência conjugal. Em muitos casos, porém, a presença feminina no mercado de trabalho – por contrariar o papel devido à mesma dentro de valores patriarcais – faz aumentar as tensões entre o casal, o que resulta em casos de agressões e no fim da união.”
Isso significa que não basta apenas a emancipação financeira feminina e sim, o investimento de políticas públicas que busquem a mudança da nossa cultura, desestimulando cada vez mais práticas machistas e violentas.
Para o agressor, a violência é uma forma de “correção” para a mulher que não cumpriu com as suas demandas.
De acordo com a pesquisa da antropóloga Lia Zanotta Machado[1], feita com prisioneiros apenados por crimes de estupro, de agressores acusados de violência física contra suas companheiras e de jovens infratores, os atos de estupro se fazem parecer como atos sexuais ―comuns, já que a sexualidade masculina pensada como a que se apodera do corpo do outro, feminino.
Ouvidos os agressores em relações conjugais violentas, é no contrato conjugal que buscam o sentido de seus atos violentos: são considerados atos “corretivos”. Alegam que as mulheres não obedeceram ou não fizeram o que deviam ter feito em função dos cuidados com os filhos, ou do fato de serem casadas ou “amigadas”. A violência é sempre disciplinar. Eles não se interpelam sobre o porquê agiram desta ou daquela forma.[…]É a “sua” função disciplinar que o constitui, cabendo à fraqueza, apenas os “excessos”.[…]Os atos de violência parecem não interpelar os sujeitos agressores sobre porque afinal agrediram fisicamente, e se têm alguma culpa. São vividos como decisões em nome de um poder e de uma “lei” que encarnam. […] A agressão é definida como disciplinar, como um contínuo que passa do “corrigir pela conversa” para a forma mais forte do “agredir físico”.
Portanto, não basta apenas a prisão e o cumprimento de uma pena para o agressor. É preciso mudar o pensamento da nossa sociedade. É preciso parar de pensarmos nas mulheres como propriedade dos seus companheiros, como subjugadas a estes.
É indispensável que se criem políticas públicas efetivas, como grupos de reflexão que permitam uma cultura mais igualitária e mais segura às mulheres.
Termino este artigo com as palavras da diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP):
“A gente
pode apostar na prisão como punição que vai alterar isso, mas sabemos que, se a
ameaça de prisão fosse uma forma de evitar que as pessoas cometessem crimes no
Brasil, estaríamos numa situação melhor, pois temos a terceira maior população
carcerária do mundo. Temos a lei do estupro há dez anos, mas não temos menos
estupros por isso. O mesmo vale para a lei de drogas. Legislação é um
instrumento importante, mas por si só, não resolve o problema.”[2]
[1] MACHADO, Lia Zanotta. ―Masculinidades e violências. Gênero e mal-estar na sociedade contemporânea”.Série Antropológica. Brasília. 2001. p.4 Disponível em <<http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie290empdf.pdf>>. Acesso em 30/04/2018http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie290empdf.pdf
[2] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47365503