O novo coronavírus (COVID-19) causado pelo vírus Sars-Cov-2, gerou uma pandemia e uma crise econômica com escalas globais.
Por causa da facilidade que o vírus possui de propagação, os governos precisaram decretar estado de calamidade pública. Isso fez com que se determinasse que a população ficasse de quarentena, sendo recomendado o fechamento temporário de empreendimentos que não exercem atividades essenciais.
Atividades essenciais são as que tratam de saúde, alimentação e segurança. Portanto, quaisquer atividades econômicas que não sejam dessas áreas, são consideradas como não essenciais.
Isso atinge o setor turístico, principalmente porque, por conta da pandemia, houve um grande percentual de cancelamentos de reservas[1], além do fechamento temporário dos hotéis e resorts neste período.
Sem hóspedes não tem como o hotel funcionar, além do empreendimento não auferir lucro durante este período.
Como o fluxo de caixa ficará praticamente zerado durante o período que durar a quarentena, que ainda é incerto, é preciso retardar o pagamento de tributos para que os associados não sejam excessivamente onerados.
Forçar o empreendedor a pagar tributos e impostos em um período que ele não receberá nenhum fluxo de capital é condenar o empresário à falência e, consequentemente, à demissão em massa de milhares de brasileiros.
TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE. POSSIBILIDADE DE POSTERGAR O PAGAMENTO DE TRIBUTOS.
A carga tributária suportada pelos empreendedores neste período poderá colocar em risco milhares de postos de trabalho, e deve-se pedir a postergação de todos os tributos.
A decisão proferida na 21ª Vara Federal Cível da SJDF determinou a possibilidade de estender a prorrogação para todos os tipos de tributos (federais, estaduais e municipais).
Isso porque todos os entes federados têm seguido as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a implementação da quarentena.
O que se busca com o Mandado de Segurança é evitar que se concretize a inadimplência do empresário, que não pode arcar com o pagamento dos tributos neste momento e os efeitos jurídicos decorrentes da mora (multas, negativação em cadastros etc.).
Os três pontos principais que as ações já interpostas abordam são:
a abrupta e inesperada eclosão do estado de calamidade sanitária que vive o Brasil e o mundo por conta do COVID- 19
a origem das limitações financeiras que assolam os empreendedores serem as medidas restritivas impostas coletivamente pela própria Administração (que não eram passíveis de previsão até poucos dias, dentro de um juízo de normalidade empresarial); os notórios efeitos práticos que a quarentena horizontal já tem gerado sobre a atividade econômica do País, das empresas e das pessoas.
Em resumo, um ato da Administração – a aplicação da quarentena horizontal, determinando o fechamento provisório dos empreendimentos – causou a limitação financeira dos empreendedores, que não podem, agora, pagar os tributos devidos sem ir à falência.
É possível, neste caso, a aplicação por analogia do fato do príncipe. Essa teoria, comumente utilizada no Direito Administrativo, trata de alteração na relação contratual entre as partes por causa de um “agravo econômico resultante de medida tomada sob titulação diversa da contratual, isto é, no exercício de outra competência, cujo desempenho vem a ter repercussão direta na economia contratual estabelecida na avença” (Celso Antônio Bandeira de Mello – 2009).
A teoria do fato do príncipe permite alterar de forma parcial e momentânea a relação jurídica mantida pelas partes para evitar a onerosidade excessiva.
Isso porque, na tentativa de buscar um bem maior e prezar pelo interesse coletivo, as ações realizadas pelo Governo para garantir a proteção sanitária dos brasileiros, interferiu um impacto econômico imprevisto para os empreendedores.
A aplicação do fato do príncipe permitiria alterar a natureza tributária mantida entre as partes como forma de preservar a existência dos empreendedores e dos empregos diretamente e indiretamente gerados por estes.
Para isso se aplicaria a postergação do pagamento dos tributos devidos até que as empresas consigam ter receita e capital para pagar esses tributos.
O Supremo Tribunal Federal[2] já decidiu ações nesse mesmo teor, determinando a suspensão, por 180 dias, do pagamento de parcelas mensais devidas pelo Estado de São Paulo à União para garantir que o Estado de São Paulo pudesse redirecionar os seus recursos para o combate do COVID-19.
DO MANDADO DE SEGURANÇA
De acordo com a decisão da 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo – SJRS – tal matéria, a princípio, não poderia ser abarcada por mandado de segurança, visto que ao se tratar de pedido de suspensão de futuras cobranças, seria necessário, primeiramente, resolver a seara no âmbito administrativo.
Isso porque não se concede mandado de segurança quando se trata de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo.
Nas palavras do magistrado:
Sendo os tributos em foco objeto de autolançamento, cabe ao próprio contribuinte apurar sua base de cálculo, chegar aos valores devidos, informá-los ao fisco e recolher as importâncias ao erário. Portanto, pode sponte propria – independentemente de qualquer prévia autorização judicial – deixar de apurar os valores que considerar devidos e deixar de recolhê-los ao erário. Caso a Receita Federal venha a entender devidos valores não
recolhidos, promoverá lançamentos fiscais de ofício relativos a tais valores (Decreto n. 70.235/72, art. 9º). Contra tais lançamentos, os empreendimentos processualmente substituídos pela associação requerente poderiam apresentar defesas administrativas, dotadas de efeito suspensivo, independentemente da prestação de caução (Decreto n. 70.235/72, art. 14). Tais defesas, por si só, independentemente de qualquer juízo positivo de verossimilhança de parte do órgão fiscal, suspenderiam a exigibilidade do crédito fiscal (CTN, art. 151, inc. III). Neste contexto, a cobrança ocorreria mediante atos futuros que, se vierem a ocorrer, estariam sujeitos à apresentação de defesas com efeito suspensivo, de apreciação não condicionada à oferta de caução.
Porém, diante da situação de calamidade pública, não é possível esperar que a resolução se dê por via do contencioso administrativo.
O risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação futura, é mais amplo, compreendendo a iminência de demissão em massa, com supressão de renda de milhares de trabalhadores e do fechamento de empreendimentos, com grande dificuldade ou impossibilidade de seu restabelecimento futuro, e tais efeitos não seriam suspensos pela eventual oposição de defesa na via administrativa contra as autuações fiscais.
Quando os lançamentos fossem efetuados, os danos acima elencados já teriam se produzido, possivelmente com efeitos irreversíveis.
Diante disso, a Justiça tem aceitado, por exceção, reconhecer a o mandado de segurança como a via processual adequada para a resolução do conflito.
Portanto reconhecendo a possibilidade de impetração de mandado de segurança é preciso avaliar de forma estratégica se é melhor impetrar um MS coletivo ou individual.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXIX determina que o mandado de segurança será concedido para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O inciso LXX determina que o MS pode ser coletivo quando impetrado por partido político com representação no
Congresso Nacional ou organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou
associados.
[1] De acordo com os dados do setor os índices de cancelamento de eventos, de hospedagens corporativas e de lazer estão na ordem de 75%-100%.
[2] Ações Cíveis Originárias nºs 3.363 e 3.365