A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR SUMÁRIA (IPS) E OS DIREITOS DOS INVESTIGADOS

A nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19) criminalizou a conduta da instauração de processo administrativo vazio, sem início de provas, sem evidências iniciais de autoria ou materialidade.

Art. 27.  Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:        (Vide ADIN 6234)        (Vide ADIN 6240)

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

  1. Procedimentos Investigativos e Dignidade.

Isto em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana e do direito ao devido processo legal administrativo (art. 5º, CR). Todo processo ou procedimento investigatório tem um caráter inerentemente violento e intimidador. As pechas de investigado, acusado, réu, são qualificações com sentido de uma condenação preliminar.

O processo, por sua natureza, exige o desvio das atenções do cidadão para a defesa de seus direitos – sua liberdade, seu patrimônio, sua carreira, sua imagem.

Toda investigação outorga poderes ao Investigador de requerer provas, quebrar algum tipo de sigilo, convocar testemunhas, dispor do tempo e da intimidade de terceiros. O exercício deste, como de qualquer poder, exige a adequada motivação. A conduta estatal deve estar amparada nos princípios da Administração (art. 37, CR), que neste âmbito, podem ser didaticamente sintetizados:

  1. Legalidade: Atuação dentro de regras procedimentais previstas em lei anterior, para investigar atos tipicamente contra a Lei, por autoridade competente.
  2. Impessoalidade: Investigador tem apenas fins lícitos no processo, não é movido por interesses indivíduos de paixão ou ódio, preferências ideológicas, de relacionamento ou qualquer distinção ilícita.
  3. Publicidade: A publicidade será a necessária ao exercício da ampla defesa e do contraditório, sem embaraçar o acesso dos interessados, porém preservando o sigilo, dando publicidade às decisões finais condenatórias.
  4. Motivação: O procedimento deve ter fundamento claro e suficiente, deve cuidar de objetos delimitados, específicos – ainda que mutáveis mediante novas descobertas. A investigação sempre é sobre atos potencialmente ilícitos, nunca sobre indivíduos.

Para adequar-se às disposições da nova Lei de Abuso de Autoridade, a Controladoria-Geral da União, como órgão central do sistema de corregedoria federal, instituiu a Investigação Preliminar Sumária (IPS) que se soma aos demais instrumentos da política correcional (IN 14/2018-CGU):

  1. Investigatórios
    1. Investigação Preliminar – prevista na Lei de Combate à Corrupção, para apuração de ato lesivo contra a Administração Pública cometido por pessoa jurídica (art. 15).
    1. Sindicância Investigativa – prevista na Lei 8.112/90 investiga falta disciplinar de servidor ou empregado púbico, enquanto não houver indícios suficientes de autoria e materialidade para PAD (art. 19).
    1. Sindicância Patrimonial – voltada à verificação de indícios de enriquecimento ilícito por agente público (art. 23).
    1. Acusatórios (simplificadamente):
      1. Sindicância Acusatória: Contra servidores públicos, pode impor pena até de suspensão de 30 (trinta) dias.
      1. Processo Administrativo Disciplinar (PAD): Processo contra servidores públicos, com equivalente para empregados públicos, e sua versão sumária para ilícitos específicos.
      1. Processo Administrativo de Responsabilização (PAR): Processo para atribuição de responsabilidade a pessoas jurídicas que atentaram contra a Administração Pública.

O IPS tem a sua simplicidade em dispensar: i) designação de comissão; ii) publicação de despacho de abertura (art. 3º, §2º); iii) processamento direto pela unidade correcional (art. 4º); iv) atos podem ser praticados por servidor singular (art. 4º, §2º).

Em função desta simplicidade, não pode impor qualquer penalidade (art. 2º, §2º – diferente da sindicância acusatória, por exemplo), mas da sua conclusão (art. 6º) pode advir diretamente a celebração de Termo de Ajustamento de conduta ou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar, dispensada a Sindicância Investigativa.

Vê-se que o IPS, portanto, guarda muitas similaridades com a Sindicância Investigativa do regime anterior (art. 19 a 22, IN 14/18-CGU), porém com prazo de apuração maior, passando de 60 (sessenta) para 180 (cento e oitenta) dias.

O IPS deve ser utilizado para “realizar apurações de irregularidades” (art. 1º, IN 08/20-CGU) com o objetivo de “análise acerca da existência dos elementos de autoria e materialidade relevantes para a instauração de processo” (art. 2º, id).

  • Interpretação conforme da IN 08/20-CGU à Lei 13.869/19.

A Instrução Normativa aparenta dispensar o juízo de admissibilidade para o IPS, bastando um juízo negativo de que ainda não estariam presentes indícios suficientes de autoria e materialidade.

Porém, a Lei de Abuso de Autoridade, que tipifica a instauração de procedimento investigativo – e não apenas de processo, exige para a atipicidade da Investigação Preliminar que esta seja devidamente fundamentada. Isto é, a instauração do ato investigativo, mesmo simplificado, deve ser motivado licitamente.

Vale perguntar, qual o motivo idôneo para a instauração de IPS?

Da IN 08/20 vemos que deve estar demonstrada a existência de uma irregularidade (art. 1º). Os fatos alegados na denúncia ou no ofício solicitante devem, em tese, configurar uma ilegalidade.

Porém, a simples concatenação de ideias que formem uma narrativa de fato ilícito não é barreira suficiente ao objetivo legal de preservar a dignidade humana de investigações infudadas. Seria absurdamente fácil abrir uma investigação apenas pela alegação vazia da atribuição de fato ilícito a alguém, e manter a pessoa na condição de investigada por seis meses, enquanto vasculha-se sua vida funcional, ouve-se testemunhas e requisita-se documentos diversos.

É imperioso que haja um mínimo juízo de admissibilidade também para o IPS, para que sua instauração seja fundamentada. Este mínimo deve ser jurídico e fático, como se sugere a seguir:

  1. Alegação de fato objetivo: Há de haver um fato, ou feixe de fatos conexos, claros e inteligíveis. Não é possível investigar órgãos, pessoas, contextos, períodos, mas atos e fatos jurídicos relevantes.
  2. Início ou indicação de indícios do fato: A alegação absolutamente vazia de fato desnatura o fundamento, necessário o início de prova, entre estas o depoimento pessoal que tenha coerência, coesão e razoabilidade.
  3. Ilicitude em tese: O fato alegado, se provado, tem que ser subsumível a uma irregularidade administrativa, que justifique o trabalho de apuração.

Seria de grande valia a revisão da IN 08/2020-CGU para o aclaramento dos requisitos de instauração do IPS quanto a estes indícios mínimos da irregularidade, evitando a mobilização da máquina pública em procedimentos inócuos que arriscam o direito dos investigados ao devido processo legal e à dignidade humana.

Fabio Monteiro Lima é advogado, especialista em direito público, e sócio da Lima e Volpatti Advogados Associados.

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