Aplicativos de mensagens podem descumprir ordem judical por conta da criptografia?

STJ decidiu que não é possível multar empresa de aplicativo de mensagem por descumprir ordem judicial em decorrência da impossibilidade de decriptografar as mensagens.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (SJT) decidiu, nesta quinta-feira (24/06/2021), que não é possível multar empresa fornecedora de aplicativo de mensagens (como o Whatsapp) por descumprir ordem judicial para intercepção e acesso ao teor das conversas de usuários sob investigação, se tais providências são impedidas pelo uso de criptografia ponta a ponta.

O ministro relator, Ribeiro Dantas, votou pelo indeferimento do recurso especial proposto pelo Ministério Público de Rondônia. O recurso pedia a reforma do acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia que afastou integralmente a multa cominatória (astreintes) aplicada em primeira instância contra o WhatsApp.

Para o relator a:

“existência de ordem judicial baseada na Lei 9.296/1996, que regula a quebra de sigilo, não é suficiente para justificar a fixação de astreintes no caso de aplicativo que usa criptografia de ponta a ponta. “

O voto foi seguido por unanimidade do colegiado, afastando, assim, a possibilidade de aplicação de multa. O processo segue em segredo de justiça.

O que é a criptografia?

Criptografia é a codificação e decodificação de dados. Para um dado ser criptografado é preciso aplicar um algoritmo para codificá-lo, assim, ele não terá mais o formato original e não poderá ser lido. Esse dado só será decodificado com uma chave de decriptografia específica.

Quebra de sigilo x Criptografia

De acordo com o ministro relator, a criptografia utilizada no aplicativo protege os dados nas duas extremidades do processo, no polo do remetente e no do destinatário da mensagem. Ou seja, não é possível, por causa da criptografia, ler as mensagens do remetente ou do destinatário.

Ressalta-se que já houve julgamento similar na Terceira Seção do STJ (REsp 1.568.445) que decidiu sobre a possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória. Todavia, ressalvou, é preciso fazer uma distinção entre aquele caso e a situação do recurso em julgamento.

Ocorre que, diferentemente da decisão da Terceira Turma, no caso em tela a empresa descumpriu a ordem judicial porque era impossibilitada, tecnicamente, de obedecer a determinação do juízo. Provavelmente porque ela não teria acesso à chave decriptográfica.

O caso é complicado porque utilizar a criptografia é, em tese, uma escolha da empresa. Portanto se a empresa, que age com finalidade de lucro, se coloca em uma situação em que fica impossibilitada de atender à justiça, ou seja, apresentar as conversas de seus usuários, seria razoável proibi-la de utilizar a tecnologia.

Contudo, impedir o uso da criptografia iria ferir o direito à intimidade da comunicação privada e da liberdade de expressão. A criptografia de ponta-a-ponta assegura que a privacidade dos usuários está protegida, assegurando, também, direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal. Por isso, a multa não deve ser aplicada, visto que seria impossível a entrega dos dados pela empresa que utiliza a criptografia de ponta a ponta.

Isso demonstra que o STJ caminha para o entendimento de que as novas tecnologias de segurança de dados são mais benéficas à população do que obstáculos à tutela jurídica.

Exemplo disso são os julgamentos que estão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF –  ADPF 403 e ADI 5527)– que podem enraizar o entendimento de que a ciência corrobora a impossibilidade técnica de interceptar dados criptografados de ponta a ponta.

Tanto na ADPF 403 quanto na ADI 5527 discute-se a inconstitucionalidade parcial do inciso II, do art. 7º e do inciso III do art. 12 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que autoriza ordem judicial que exija acesso excepcional a conteúdo de mensagem criptografa ponta-aponta ou que, por qualquer outro meio, enfraqueça a proteção criptográfica de aplicações da internet.

De acordo com Ribeiro Dantas, os relatores desses dois processos no STF, o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber, chegaram à mesma conclusão, de que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza que, em detrimento dos benefícios trazidos pela criptografia para a liberdade de expressão e o direito à intimidade, as empresas de tecnologia sejam multadas por descumprimento de ordem judicial incompatível com a encriptação.

Na mesma linha dos ministros do STF, Ribeiro Dantas comentou que os benefícios representados pela criptografia de ponta a ponta se sobrepõem aos eventuais prejuízos causados pela impossibilidade de quebra de sigilo das mensagens. 

Agora a questão é entender como será a nova realidade da quebra de sigilo, visto que a comunicação por intermédio de mensagens poderá acobertar diversos crimes que antes conseguiram ser descobertos com a quebra do sigilo telefônico.

Por outro lado, a privacidade do usuário tem sido cada vez mais valorizada, ainda mais nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados, sendo necessário que os usuários tenham direito a ter sua intimidade respeitada.

Fonte: STJ

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/24062021-Criptografia-em-aplicativo-de-mensagem-nao-permite-multa-cominatoria–decide-Quinta-Turma.aspx

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