CASO LÁZARO: JUSTIÇA CRIMINAL OU DIREITO PENAL DO INIMIGO?

Um questionamento sobre midiatização de crimes e da eficácia de medidas mais duras ao combate ao crime.

Foi preso e morto, nesta terça-feira, o fugitivo Lázaro Barbosa foi preso, em Águas Lindas de Goiás. Ele era procurado há cerca de 20 dias, por uma megaoperação que contou com mais de 270 policiais. De acordo com a Secretaria de Segurança do Estado de Goiás, o suspeito atirou diversas vezes contra os policiais antes de ser baleado.

A perseguição de Lázaro foi extremamente midiática e a sua captura, e morte, foi comemorada por milhares de brasileiros. Contudo, o questionamento que deve ser feito é: deveríamos comemorar a morte midiática? Ou ensejar pelo cumprimento de um devido processo legal seria uma visão um tanto quanto otimista em um cenário já tão cético?

Ressalto que não pretendo aqui criticar a ação policial. De acordo com a Secretaria de Segurança do Estado de Goiás os agentes agiram em legítima defesa, excludente de ilicitude pelo Código Penal. A proposta é pensarmos sobre o nosso conceito de justiça e se situações como pena de morte ou tratar criminosos por meio do direito penal do inimigo são de fato eficazes para situações como a de Lázaro.

Exclusão de ilicitude(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:         (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        I – em estado de necessidade;         (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        II – em legítima defesa;        (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)     (Vide ADPF 779)

        III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.        (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Legítima defesa

        Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.        (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)    (Vide ADPF 779)

        Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.            (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)        (Vide ADPF 779)

Lázaro não era primário. Tinha condenações por homicídio, além de ser procurado por roubo estupro e porte ilegal de arma de fogo. Ele foi preso em 2009, mas conseguiu fugir do Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, em 2016. À época, não retornou da saída temporária de Páscoa. Em 2018, ele foi detido novamente, desta vez em Águas Lindas de Goiás, mas escapou da prisão poucos meses depois.

Durante esse período como fugitivo, foi acusado de matar três pessoas na zona rural de Ceilândia, e de ter sequestrado e matado a mulher de uma das vítimas. Não era, portanto, alguém novo na vida de crimes. Também não foi alguém que conseguiu se ressocializar no sistema penitenciário brasileiro.

Por causa do extenso currículo e das atrocidades das quais era acusado, Lázaro virou um espetáculo midiático, em meio a outras polêmicas de magnitude nacional como a pandemia do Covid-19 e a CPI da Covid.

O que é o Direito Penal do Inimigo?

É uma teoria criada pelo alemão Günther Jakobs que definiu como inimigo alguém que não se submete ou não admite se submeter ao Estado e, por isso, não merecia usufruir do status de cidadão. Com isso, os seus direitos e garantias poderiam ser relativizados.

A teoria tem três bases: a antecipação da punição, a desproporcionalidade das penas e a relativização ou supressão de certas garantiras processuais. Lázaro poderia se encaixar nessa teoria, afinal, foi culpado antes de um devido processo legal pela mídia e pela sociedade e sua morte foi comemorada como nos enforcamentos à la Idade Média.

O direito penal do inimigo surge, facilmente, em uma sociedade insegura, com medo e com ampla exposição midiática. A midiatização dos crimes retira o debate do direito das mãos do processo legal e os transfere para os apresentadores de TV, jornalistas e programas de entretenimento. Isso faz com que os julgamentos sejam antecipados pela sociedade e que o suspeito nunca tenha acesso ao devido processo legal.

A sensação de justiça é diferente de justiça de fato. Etimologicamente, justiça é um termo que vem do latim justitia. É o princípio básico que mantém a ordem social através da preservação dos direitos em sua forma legal.  Na forma legal do direito brasileiro a Constituição Federal em seu art. 5º incisos LIII e LIV definem que:

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Contudo, se o sistema carcerário não consegue dar conta das demandas atuais e a população vive em uma sensação de impunidade, como seria de fato a aplicação desta tal de justiça? Será que um indivíduo que passa por tantas vezes pelo sistema penitenciário e continua a praticar crimes violentos merece o devido processos legal?

Devido Processo Legal e a Pena de Morte

No Brasil entendemos como devido processo legal todo o procedimento de investigação e o processo Judiciário que deve ser imparcial e buscar a verdade dos fatos, para que o investigado caso seja condenado, o seja tendo provas e sempre buscando evitar condenações injustas.

Ocorre que, pela morosidade do sistema, burocratização pela quantidade de recursos jurídicos e, até falta de competência do próprio sistema penitenciário em si, a sensação de impunidade na população é grande. Então, questiona-se se diante de tanta incapacidade de garantir a segurança da população o país não deveria ter logo uma pena de morte.

A pena de morte é rechaçada na nossa Constituição Federal sendo aceita, apenas, para caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII). Será que se ela fosse aceita, o nosso sistema seria mais justo?

Uma pesquisa  realizada pelo Datafolha, em setembro de 2014, revelou que 43% dos brasileiros é a favor da pena de morte, enquanto 52% se posicionaram contra. Muitos dos que se posicionam a favor utilizam como principal argumento que a pena de morte reduziria a violência no Brasil e diminuiria os gastos com ressocialização dos presos, uma medida que poucas vezes funciona. Para os favoráveis à pena de morte, ela é a única forma de garantir que criminosos não retornem à sociedade ou cometam outros crimes dentro da prisão[1].

Entretanto, dados do DPCI (Death Penalty Information Center – Centro de informação sobre a Pena de Morte) mostram que a realidade é diferente: taxas de crimes de assassinato são maiores nos estados dos Estados Unidos que adotam a pena de morte do que as taxas de assassinato nos estados que não a adotam. Outro agravante é que os casos de inocentes condenados erroneamente ao corredor da morte são grandes. Ainda segundo a DPCI, cerca de 150 pessoas foram condenadas erroneamente à pena de morte nos Estados Unidos desde 1973

Outro problema em relação à pena de morte, do ponto de vista institucional, são os altos custos de manutenção de todo o sistema que a ampara. Em razão do grande número de apelações possíveis e necessárias, os custos com a defesa de acusados chegam a ser três vezes maiores do que os custos com uma defesa onde não há a pena de morte. Há ainda os custos com a manutenção das instalações de execução e os demais custos com o sustento dos acusados. Todas essas despesas aumentam, segundo diversos estudos reunidos pela DPCI, em cerca de $ 1 milhão de dólares, ou mais, os gastos com julgamentos de casos em que a pena de morte é arbitrada. Além do mais, existe ainda a possibilidade de a pena capital ser usada como ferramenta política, isto é, um oponente político de um governo, por exemplo, pode ser eliminado sob qualquer pretexto, já que nenhum sistema ou governo está livre de corrupção[2].

Além disso, um estudo realizado com 67 pesquisadores estadunidenses, especialistas na temática da pena de morte, e publicado pelo Jornal de Lei Criminal e Criminologia da Universidade de Northwestern, em Chicago, mostra que, para 88,2% deles, a pena de morte não tem qualquer impacto sobre os níveis de criminalidade. Para eles, não existem quaisquer dados ou estudos provando a relação entre a pena de morte e a diminuição da criminalidade[3].

Há alguma solução? No momento, o que devemos prezar é o cumprimento da Constituição Federal, do Código Penal e do Código de Processo Penal, para não nos tornamos tão criminosos quanto aqueles que julgamos. Criticar o sistema penitenciário brasileiro e repensar formas de lidar com essas questões envolvem estudos e políticas públicas que vão muito além de soluções simples.

Não há soluções simples para casos complexos, e não há mortes que mereçam ser midiatizadas. O caso Lázaro acaba se tornando um grande pão e circo mediante escândalos políticos e sociais do cenário brasileiro. É obvio que diante dos crimes cometidos que Lázaro não deveria ser mais um na estatística da impunidade brasileira. Mas mais óbvio ainda é que o povo brasileiro merece um sistema de segurança de qualidade e isso envolve um sistema penitenciário humano, longe das estatísticas falhas da pena de morte.


[1] https://www.politize.com.br/pena-de-morte-brasil-argumentos/

[2] https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/pena-de-morte.htm

[3] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150115_penademorte_pai_jf

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