Em condições de exceção como a que enfrentamos agora, situações já estabelecidas, como a divisão da guarda de uma criança, podem ser afetadas devido a circunstâncias de distanciamento social, por exemplo.
Ocorre que, mesmo que o casal tenha estabelecido, de forma amigável, como que ficaria em relação à guarda da criança, a partir do surgimento da pandemia de coronavírus no Brasil, um estresse está alterando a dinâmica do poder familiar e afetando o regime de convivência.
A legislação específica de direito de família – Lei 13.058/2014 – não faz qualquer previsão sobre cenários como o que vivemos agora, ou seja, não há previsão de interrupção do regime de convivência entre pais e filhos com base em força maior. Para entender melhor, um evento de força maior é aquele evento que é imprevisível advindo da natureza e que muda o estado das coisas.
O recomendável nessa época é que as pessoas fiquem em casa, sem contato com pessoas externas à área de sua residência, ou seja, limitando a convivência social e que façam todas as medidas de proteção possíveis para a prevenção do contágio de coronavírus. Os grupos de maior risco, segundo a Organização Mundial da Saúde, são as crianças e os idosos.
Posto isso, questões que envolvem conflitos de convivência familiar devem sempre procurar observar o “princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes”, conforme prevê a nossa Constituição Federal de 1988 (art. 227, caput).
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente traz uma importante diretriz já no seu artigo 1º: a chamada de doutrina “proteção integral”, orientando no sentido de que esta deve ser a preocupação central quando se cuidam dos interesses de pessoas de tenra idade.
As regras dos artigos 1.583 e 1.584, do Código Civil e no artigo 22, parágrafo único do ECA – “a mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança (…)” – foram estabelecidas sob a inspiração dos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, considerando que a convivência da criança com ambos os genitores lhe é saudável física, mental e emocionalmente.
Como se verifica, a questão relativa ao convívio entre pais e filhos, que também é direito garantido constitucionalmente, pode sofrer modificações em situações que coloquem em risco a vida da criança. Atualmente, com o surto de coronavírus, deve ser observado o §2º do artigo 1584 do Código civil que demonstra que na guarda compartilhada, devem ser observadas as condições fáticas e os interesses dos filhos.
O código Civil prevê, ainda, a intervenção do juiz em casos graves excepcionais, regulando isso no seu art. 1586: “Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.”
Com isso, recentemente foi divulgada uma decisão judicial em que o desembargador José Rubens Queiroz Gomes, da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proibiu que um homem que viajou à Colômbia visite sua filha. Como a criança tem problemas respiratórios graves, a mãe disse ter medo que a filha seja infectada pelo novo coronavírus. A mãe recorreu ao Poder Judiciário e obteve decisão que determinou que o pai só retome o convívio com a sua filha após terminar o período de quarentena, pois ele estava se recusando a ficar afastado.
O bom senso também deve imperar entre os pais, para que se tenha como interesse maior o bem estar do filho. Colocar em risco a saúde da criança não cumpre com os ditames protetivos do Estatuto da criança e do Adolescente, do Código Civil e da Constituição Federal. Por exemplo, não é razoável que o pai queira levar o filho para jantar fora de casa no dia de convivência a que tem direito, tendo em vista que estamos em uma época delicada com surto de um vírus letal. A convivência tem que observar, também, os interesses da coletividade.
Em uma situação em que uma das residências em que a criança vive também se encontra alguma pessoa idosa, como a avó, a ida desta criança para a casa do outro genitor colocará a vida de pessoas do seu círculo familiar em risco, e isso deve ser evitado.
Conclui-se, portanto, que o regime de guarda compartilhada, nessa época de Pandemia do Coronavírus, deve ser exercido de forma a não colocar em risco a vida da criança ou de outras pessoas as quais ela possa ter contato. Os pais devem buscar temperança, bom senso, compreensão e entendimento entre si para buscarem atender à proteção da saúde da criança e do adolescente.
Caso os pais não cheguem a um acordo, o Poder Judiciário pode ser a ferramenta para solucionar esse conflito, em prol do bem maior que é a vida.