CONTROLE JUDICIAL DA NOMEAÇÃO DE CARGOS DE CONFIANÇA E CARGOS POLÍTICOS.

 O Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão da posse de Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal (DG/DPF) em mandado de segurança protocolado pelo PDT. Em seguida a Presidência da República tornou sem efeito a nomeação, retornando Ramagem para a Diretoria-Geral da ABIN. Em discurso, o presidente afirmou que tentaria superar esta decisão.

A alegação do partido, acolhida pelo Ministro, centra-se em dois pressupostos de direito e de fato. 1) O provimento de cargos de natureza política é um ato administrativo limitador por princípios como moralidade e impessoalidade, cujo atendimento pode ser verificado pelo Poder Judiciário; 2) Este caso tinha provas de desrespeito a estes princípios, sendo nulo.

Neste texto, não vamos entrar no mérito do fato, mas da tese jurídica e seus efeitos. Este fundamento não está especificado explicitamente em nenhum texto normativo, seja uma lei ou trecho da Constituição. O que não significa que não exista.

Os maiores dilemas do direito na contemporaneidade é a ponderação entre as regras e os princípios, qual a força normativa dos princípios e se estes podem afastar ou mudar a interpretação mesmo de regras escritas na Constituição. Um debate profundo da teoria do direito e da constituição que não pode ser adequadamente enfrentado em um texto tão curto. O que cabe dizer é que a leitura estrita de regras isoladas não tem mais lugar em nenhum sistema jurídico.

De fato, a nomeação de cargos políticos – como ministros, diretores-gerais, secretários – é de especial confiança da Presidência da República, pois se prestam a executar as diretrizes políticas presidenciais em suas áreas de competência. Por isto a sua nomeação e exoneração é prerrogativa do chefe do Poder Executivo. Mas, quando estas nomeações desrespeitam frontalmente outros princípios, elas são passíveis de controle judicial?

Em 2016, o Supremo enfrentou o primeiro caso similar. À época, conversas (cuja divulgação e gravação foi considerada ilegal em segundo momento) do ex-presidente Lula, então investigado, com a Presidente Dilma, permitiam entender que a sua eventual nomeação como Ministro-Chefe da Casa Civil seriam um subterfúgio para que Lula respondesse penalmente perante o STF, evitando inclusive alguma ordem de prisão pela 13ª Vara Federal de Curitiba, de Sérgio Moro.

Com este entendimento, o Ministro Gilmar Mendes acolheu a mesma tese agora discutida e impediu a posse, sob pedidos dos partidos de oposição PPS e PSDB. A matéria, porém, nunca foi discutida em plenário, pela desistência da nomeação. Apenas o Ministro Lewandowsky registrou, de passagem, que entendia que esta ordem judicial era uma invasão das competências do Poder Executivo.

Porém, outra tese similar é debatida há pelo menos dez anos na Corte Constitucional – o nepotismo.

A proibição da nomeação de familiares para cargos de confiança também não está explícita em lei ou na constituição. Foi criada judicialmente e concretizada na Súmula Vinculante 13 do STF. Entendeu, e entende, o Supremo, que mesmo este ato discricionário (“livre”) de escolher pessoas de confiança para sua equipe, está limitado pelos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

A escolha de familiares seria uma forma óbvia de usar o poder público para o favorecimento pessoal, tornando privado o que era da sociedade, permitindo todo tipo de má prática a partir da pessoalidade excessiva na gestão pública.

O que ainda se discute é se esta regra se aplica aos cargos denominados políticos, estes de especial confiança do mandatário. Há divisão entre as duas turmas do Supremo, como ilustram dois julgamentos de novembro e dezembro de 2019, os dois tratavam da indicação de parentes do prefeito para cargos de secretário municipal.

Na primeira turma (Rcl 31732/SP) o Ministro Alexandre de Moraes, o mesmo do caso Bolsonaro/Ramagem, entendeu que a liberdade de provimento de cargos políticos era ampla, cabendo mesmo a indicação de parentes. Foi acompanhado, com ressalvas, por Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, sendo vencido Marco Aurélio de Mello.

Na segunda turma (Rcl 26448/RJ) a posição foi oposta, mais próxima da tese do PDT neste caso. Os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes e Carmén Lúcia votaram pela limitação dos poderes do chefe do executivo, com a discordância de Ricardo Lewandowsky e Celso de Mello.

Há, portanto, precedente para qualquer sentido, ainda que seja notável a distinção entre o posicionamento do Ministro Alexandre de Moraes nos dois momentos – similares, mas não idênticos.

No fundo, a questão diz respeito à divisão e equilíbrio dos poderes.

A ninguém, na República, são dados poderes ilimitados. Os atos mais simples ou mais gravosos do Presidente são controlados. A nomeação de embaixadores, a declaração de guerra e paz, o estado de defesa e de sítio, são todos confirmados ou autorizados pelo Legislativo. A Constituição brasileira garante que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito será retirada da apreciação do Poder Judiciário.

Obviamente que há riscos, com a tutela judicial excessiva sobre os atos da administração, desfigurando o básico poder presidencial de formar sua equipe, subvertendo no limite o exercício da democracia na sua face de expressão da vontade da maioria.

É difícil, porém, imaginar um cenário verdadeiramente republicano, democrático, em que seria razoável ver a Esplanada dos Ministérios ocupada pela família presidencial e não houvesse remédio que não fosse o impeachment ou a reprovação nas urnas anos depois.

Dos males mais profundos do Brasil, o patrimonialismo – a privatização dos benefícios da coisa pública – está diretamente vinculado ao nepotismo e a ocupação dos postos por gente despreparada ou desonesta que servirá cegamente ao mandatário e não à Lei. O patrimonialismo é a base do nosso capitalismo de compadrio, da corrupção e do populismo.

Se há riscos na ampliação da revisão de atos administrativos pelo Poder Judiciário – e são muitos – risco maior é dar poderes absolutos e inquestionáveis ao Poder Executivo, aquele que tem o controle dos fuzis e baionetas.

Pelo que entendo que há amparo constitucional à revisão judicial dos casos flagrantes e absurdos de completo desvio de finalidade, com a nomeação, seja de pessoa sem as competências mínimas para o cargo, para fugir ao cumprimento da lei penal, ou para outra razão antirrepublicana e personalista da autoridade que faz a nomeação.

Fabio Monteiro Lima é advogado, especialista em direito público, atuante em Brasília -DF.

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