DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO PARA REPOSIÇÃO AO ERÁRIO

O desconto em folha de pagamento de servidores públicos para o ressarcimento ao erário é prática recorrente na Administração Pública. A Administração, ao promover o controle de despesas com pessoal, constata que o servidor recebeu valor além do devido, e assim, busca a restituição, geralmente com a realização do desconto em folha. 

Os valores recebidos indevidamente tanto podem ser percebidos de boa-fé, quanto por má-fé ou decorrente de ato ilícito. Contudo, é entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça que, se recebidos de boa-fé, não há que se falar em restituição ao erário. Por exemplo, um servidor público que, de boa-fé, recebeu indevidamente, dois anos de auxílio-natalidade, devido a erro da administração ou em decorrência de interpretação errônea, deficiente ou equivocada da lei, não está obrigado a proceder com a restituição, pois está caracterizada a boa-fé. 

Conforme o art. 46 da Lei 8.112/90, descabe restituição ao erário de valores indevidamente pagos ao servidor público, percebidos de boa-fé, entendida esta como a ausência de conduta dolosa que tenha contribuído para a ocorrência do fato antijurídico.  

Assim, apesar da Administração Pública poder anular os seus atos decorrentes de erro ou de ilegalidade, a revisão pela Administração não possibilita a imposição ao servidor de devolver o que recebeu indevidamente, quando se tratar de verba de caráter alimentar, recebida de boa-fé. 

Quanto aos valores percebidos de má-fé ou decorrentes de atos ilícitos, é exigível a restituição ao erário pela Administração Pública, que muitas vezes ocorre com o desconto em folha de pagamento do agente.  

Nesse sentido, em relação à privação de parte de vencimentos por desconto em folha de pagamento, há debates, pois além da proteção às verbas alimentares, que se revestem de impenhorabilidade e incompensabilidade, há proteção constitucional aos vencimentos dos servidores, através do princípio da irredutibilidade, que traduz conquista jurídico-social outorgada, pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CF, art. 37, XV), em ordem a dispensar-lhes especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado. 

Sobre este assunto, em Nota Técnica, publicada em 11/01/2021, o Ministério da Economia definiu que é possível a Administração Pública Federal descontar na folha de pagamento do servidor o que for devido a título de reposição ao erário, respeitado o devido processo legal que garanta o contraditório e a ampla defesa acerca do reconhecimento do débito.  

A Nota Técnica reforça esta exigência, proveniente da Constituição Federal: “Art. 5º … … LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”  

Também esse é o entendimento que já vem sendo aplicado pelos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em regime de repercussão geral (RE 594.296/MG, Plenário, Ministro Dias Toffoli, Dje de 13/02/2012, Tema 136) já pacificou o entendimento jurisprudencial de que a devolução de valores pagos indevidamente a servidor público deve ser precedida do devido processo legal (Cf. AgRg no Ag n. 1.423.71/DF, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Doe de 29/02/2012). 

Um aspecto discutido sobre o tema reposição ao erário é a necessidade ou não de anuência do servidor público para os descontos em folha.  Nesse sentido, a Nota Técnica alega que, ao observar que as garantias legais foram cumpridas, compete à Administração, independentemente do consentimento do servidor ou de autorização judicial, promover a recomposição do erário. Como se verá, esse posicionamento do Ministério da Economia está em descompasso com a jurisprudência sobre a matéria.  

A existência de um processo administrativo anterior, que garanta o contraditório e ampla defesa não dispensa a anuência do servidor ativo, aposentado ou pensionista para que ocorram os descontos. 

Ademais, a jurisprudência entende ser necessário o consentimento do servidor para os descontos na folha de pagamento

Servidor. Pagamento alegadamente indevido. Desconto das parcelas em folha de pagamento. Ato unilateral da Administração. Necessidade de anuência prévia. 

O desconto de quaisquer valores em folha de pagamento de servidores públicos pressupõe sua prévia anuência, não podendo ser feito unilateralmente pela Administração, pois o art. 46 da Lei 8.112/1990 apenas regulamenta a forma de reposição ou indenização ao Erário após a concordância do servidor. Assim, não pode o servidor ser compelido à devolução dos valores por se tratar de verba alimentar e recebida de boa-fé. Unânime. (TRF 1ª Região, Ap 2005.36.00.009636-6/MT, rel. Des. Federal Ângela Catão, em 19/03/2014) 

 O Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o desconto em folha de pagamento de servidor público, na forma do art. 46 da Lei 8.112/90, somente poderá ocorrer com a concordância deste, sendo-lhe garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório, mediante regular processo administrativo.  

À falta de prévia aquiescência do servidor, cabe à Administração propor ação de indenização para a confirmação, ou não, do ressarcimento apurado na esfera administrativa. O Art. 46 da Lei no 8.112, de 1990, dispõe que o desconto em folha de pagamento é a forma como poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, após sua concordância com a conclusão administrativa ou a condenação judicial transitada em julgado (MS 24.182/DF, red. para o acórdão Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ 03.09.2004). 

Cumpre destacar que, em homenagem à garantia constitucional de irredutibilidade dos vencimentos, o desconto em folha de pagamento para ressarcimento ao erário, previsto no artigo 46 da Lei 8.112/90, deve ocorrer quando configurar a medida menos gravosa ao servidor público, com objetivo de evitar a expropriação de bens em execução fiscal. Trata-se, efetivamente, de compatibilizar o princípio do interesse público, que exige o ressarcimento ao erário, com direitos e garantias fundamentais daquele que deve ressarcir.  

Além da garantia do contraditório e ampla defesa no processo administrativo, também é necessário analisar se a regra legal que autorizou o desconto é compatível com Constituição, ou seja, se o percentual atende o princípio da razoabilidade, e possibilita o sustento adequado do servidor. 

Por fim, destaca-se que a má-fé não deve ser presumida, ao contrário da boa-fé. A mera desconfiança de que os valores foram recebidos de má-fé não induz ao ressarcimento. Considerando a legitimidade dos atos administrativos e o princípio da confiança legítima, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, principalmente quando há um grande lapso temporal. Nesse sentido, destaca-se um precedente do STF: 

A fluência de longo período de tempo – percepção, no caso, há mais de 16 (dezesseis) anos, de vantagem pecuniária garantida por decisão transitada em julgado – culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro. Doutrina. Precedentes. (STF, MS 27962 MC, Relator(a): Min. Celso de Mello, julgado em 24/04/2009) 

Conclui-se que, para fins de ressarcimento ao erário, não poderá ser descontado em folha de pagamento nas seguintes situações: 1) Se os valores foram recebidos de boa-fé, por interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração; 2) Há somente uma mera presunção de que os valores foram recebidos de má-fé; 3) Inexistência de devido processo legal, processo administrativo prévio que garanta contraditório e ampla defesa; 4) Percentual de desconto em folha que não atende o princípio da razoabilidade e impossibilite o sustento adequado do servidor público; 5) O desconto em folha constituir o meio mais gravoso; 6) Ausência de anuência do servidor quanto ao desconto.   

Nestes casos, o ato administrativo que determinou os descontos em folha poderá ser anulado pela própria Administração Pública. Contudo, caso não ocorra anulação pela Administração, este poderá ser anulado pelo Poder Judiciário, por violação ao princípio da legalidade, pois como está expresso no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal: “[…] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito.  

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