O número de ocorrências de violência contra a mulher durante o isolamento social cresceu alarmantemente. De acordo com o último levantamento que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) realizou em março deste ano, foi que as plataformas de denúncias registraram no ano passado mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher no ano de 2020.
Uma características destes crimes é que sejam cometidos por pessoas do convívio familiar da vítima e, no mais das vezes, persistentes e insistentes, de modo que a violência assume uma trajetória de escalada. Para impedir que o pior aconteça, muitas mulheres se vêem forçadas a abandonar suas carreiras, sua cidade.
Quando verificamos a situação das servidoras públicas vitimadas, surge a hipótese: é possível solicitar a remoção desta mulher – mantendo seu emprego e renda – para outro município de forma a preservar sua vida e saúde física e mental?
Para isso, é preciso entender melhor alguns pontos sobre esse assunto.
O que é remoção de servidor público?
A remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede (art. 36 da Lei n° 8.112/90).
Sendo que, a remoção pode ser: a) de ofício, isto é, no interesse da Administração, sem se importar com a vontade do servidor público; b) a pedido, a critério da Administração ou, para outra localidade, independentemente do interesse do poder público, isto para preservação da sua saúde ou unidade familiar:
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
A União alega, em regra, que a ausência de previsão expressa no estatuto do servidor público, que autorize esta remoção a pedido impede o seu deferimento.
Ocorre que tal argumento utilizado pela administração pública é equivocado pois, muito embora não haja previsão formal no estatuto do servidor público, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), em seu artigo 9º, traz o seguinte:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I — acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
Além disto, em situações de violência doméstica, a remoção pretendida, visa exatamente oferecer proteção integral à saúde da mulher. Não para se tratar de uma doença, mas para resguardar seu bem-estar e segurança, inclusive psicológica.
O servidor (a), que encontra-se em situação a qual precisa cuidar de sua própria saúde, mesmo sem interesse da administração, desde que comprovado o quadro clínico por junta médica (Art. 36, III, “b” da Lei 8.112/90).
Em situações como essa, o conceito de saúde não se resume em apenas à ausência ou comprovação da doença, mas à capacidade de desenvolver em paz e segurança o seu bem estar e a busca pela felicidade, não só no ambiente de trabalho, mas na vida.
Também é importante considerar que a remoção por motivo de tratamento de saúde própria, em virtude de acometimento de doenças psicológicas e psiquiátricas, é o caso de vítimas de violência domésticas, pois, expõe a mulher a um risco mais elevado de sofrer transtornos psicológicos, como depressão, ansiedade, bem como o risco à saúde física também, uma vez que há vulnerabilidade da vítima em ser perseguida em seu ambiente de trabalho. Sendo devido a remoção da mesma à outra localidade, bem como ao convívio com seus familiares.
Ainda, é dever constitucional à União promover os direitos sociais, a defesa da mulher contra a violências e preconceito, e a saúde.
Cabe esclarecer que, é cabível a situação concreta o mandamento constitucional de proteção do Estado não só à saúde, mas também à convivência familiar, o qual deve sobressair ao princípio da legalidade.
Tive o meu pedido de remoção negado administrativamente. E agora, o que devo fazer?
Como cedido, o pedido de remoção deve ser feito ao setor responsável do órgão ao qual a servidora é vinculada.
Também como já mencionamos, em muitos casos que envolvam violência doméstica, infelizmente, a administração nega o pedido de remoção realizado.
Para isso, é importante saber que, nos casos em que a administração negar o seu pedido, você terá de pegar o processo administrativo com a decisão negativa e entrar com uma ação judicial para conseguir sua remoção.
Além disso, trata-se de um caráter de extrema urgência no pedido de remoção, já que a vida e a integridade física da mulher está em risco.
Bom lembrar que, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu sobre essa questão. Vejamos:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REMOÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 9º, § 2º, I, DA LEI 11.340/06. HIPÓTESE ANÁLOGA À PREVISTA NO ART. 36, III, B DA LEI 8.112/90. PROTEÇÃO À FAMÍLIA. ART. 226, § 8º DA CF/88. SENTENÇA CONCESSIVA. REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA. 1. Sentença que concedeu a segurança para reconhecer o direito à remoção de Professora efetiva na Área de Enfermagem do Instituto Federal da Bahia – IFBA, do campus de Barreiras/BA, para o campus de Salvador/BA, tendo em vista a comprovação nos autos de indícios de violência doméstica sofrida pela parte impetrante. 2. O ato de remoção no caso sub judice terá como fim a preservação do direito à vida, à integridade física, à segurança, ao trabalho e à família. Os bens jurídicos a serem aqui protegidos mostram-se mais importantes do que aqueles tutelados pela Lei nº 8.112/90, que permite a remoção independentemente do interesse da Administração. 3. Com base no princípio constitucional de proteção à família (art. 226, § 8º da CF/88) e no quanto previsto no art. 9º, § 2º, I, da Lei nº 11.340/06, o pedido de remoção da servidora configura hipótese análoga àquela prevista no art. 36, III, b da Lei nº 8.112/90, que trata de pedido de remoção a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração. (TRF-1 – REOMS: 00066861220154013300, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, Data de Julgamento: 08/03/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 20/04/2017)
É importante ressaltar, para isso, é necessário que você procure um advogado especialista em servidores públicos para lhe ajudar a garantir seus direitos e conseguir a remoção pretendida.