Aluguel e coronavírus. O que fazer?

A Pandemia que hoje assola o país está afetando o mercado imobiliário, com inquilinos e proprietários preocupados com a falta de receita decorrente do fechamento de lojas e estabelecimentos e da restrição de circulação de pessoas nas ruas.

Mesmo com a edição da MP 927/2020, que tem o objetivo de tentar diminuir os prejuízos que os empreendedores terão com a crise gerada pelo Covid-19, essas medidas acabam não sendo suficientes para evitar o fechamento de empresas e negócios em geral, principalmente por conta de medidas que obrigam a interrupção de certas atividades comerciais.

Todo empreendimento, comércio, empresa, e até mesmo as pessoas físicas em geral possuem obrigações decorrentes de prestações relativas a insumos, parcelas de financiamentos, despesas em razão de contratos firmados com locadores de imóveis, entre outros. Mas, a questão nesse período do coronavírus é: como resolver e como ficam os contratos diante da pandemia? Os contratos devem seguir sem modificações, obrigando os locatários a arcarem com suas obrigações mesmo com a determinação do governo em manter a maioria das atividades comerciais suspensas?

No Direito contratual tem-se o Princípio do “pacta sunt servanda”, um termo que vem do latim e que, traduzindo, significa “os pactos devem ser cumpridos”. Um contrato é um acordo feito entre partes que gozam de plena liberdade de contratar e estabelecer os termos. O contrato firmado entre as partes torna-se a lei entre elas, sendo que seu descumprimento acarreta o eventual dever de indenizar por parte do inadimplente.

Entretanto, em tempos como a da atual Pandemia, juntamente com a interrupção de inúmeras atividades comerciais que afetam a economia da população em geral, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade da revisão judicial em função de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que acarretam a uma das partes uma prestação excessivamente onerosa.

Os contratos de locação possuem legislação própria, definida pela Lei 8.245/91, chamada de Lei do Inquilinato. Além disso, o Código Civil também traz orientações sobre os contratos. Em ambas as leis, existe a previsão de possibilidade de alteração das cláusulas contratuais, inclusive na que trata sobre o valor do aluguel.

A Lei do Inquilinato prevê em seus arts. 18 e 19 a possibilidade de modificação de cláusulas ajustadas pelas partes de comum acordo e, não havendo ajuste consensual, a revisão judicial do contrato.

Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.

Como pode se verificar, o artigo 19 não traz em seus dizeres a possibilidade de ocorrerem fatos extraordinários e imprevisíveis que acarretem a prestação excessivamente onerosa a uma das partes. Apenas faz alusão a um período de tempo em que supõe-se que nesse decurso de tempo poderia haver alguma discrepância no valor do aluguel e o preço de mercado.

Ou seja, o artigo 19 da Lei do Inquilinato não traz a possibilidade da Teoria da Imprevisão, mas apenas estabelece uma hipótese genérica de revisão judicial para adequação do valor do aluguel.

No Código Civil, podemos ter o embasamento para suprir as lacunas que a Lei do Inquilinato possui, principalmente para garantir a função social dos contratos e tratar à respeito da teoria da imprevisão. Os artigos 317, 478, 479  e 480 do Código Civil trazem a possibilidade de que, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, o devedor (locatário) poderá pedir a resolução do contrato, para que este seja finalizado, ou que sejam modificadas as condições do contrato para que o mesmo prossiga com os devidos ajustes em detrimento de uma nova situação enfrentada.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

(…)

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Deve-se ter o artigo 317 do Código Civil como a regra para a revisão dos contratos em decorrência de motivos imprevisíveis, supervenientes, que acarretam desproporção entre o valor da prestação previsto no contrato e o valor do momento de sua execução. Todos esses artigos supramencionados prezam pela conservação do contrato, ou seja, tentam expor medidas para que o contrato não venha a ser desfeito.

A Lei do Inquilinato, nos artigos 68 e 69, também dispõe sobre a Ação de Revisão de Aluguel, onde o locatário poderá requerer que o valor do aluguel seja reduzido, mediante pedido devidamente fundamentado que terá como justificativa a grave dificuldade econômica trazida pela pandemia.

O entendimento do STJ é no sentido de autorizar a revisão contratual, nos termos da Lei do Inquilinato, mas, considerando a situação fática sem que tenha havido uma modificação imprevisível. Nesses casos da imprevisibilidade e fato superveniente, como é o caso que vivemos na atualidade, deve-se vigorar o art. 317 do Código Civil. Veja-se julgado anterior:

RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458, II E 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. IMÓVEL COMERCIAL. CABIMENTO. ARTS. 18 E 19 DA LEI Nº 8.245/1991. ÚLTIMO AJUSTE CONTRATUAL. TRANSCURSO DE MAIS DE TRÊS ANOS. VALOR REVISADO JUDICIALMENTE. ALTERAÇÃO NA VIA ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PROVA EXCLUSIVAMENTE PERICIAL. SUFICIÊNCIA. PRAVO ORAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO POR PRAZO INDETERMINADO. ART. 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.245/1991. VALOR REVISADO. INCIDÊNCIA ATÉ A EFETIVA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE ULTERIOR REVISÃO POR CONVENÇÃO DAS PARTES OU POR DECISÃO JUDICIAL EM AÇÃO RENOVATÓRIA. 1. Ação revisional de aluguel de imóvel comercial julgada procedente, com esteio exclusivamente na prova pericial, para fixar o novo valor revisado em patamar equidistante ao pretendido pela autora da demanda (a locadora) e ao defendido pela requerida (a locatária). 2. O acórdão recorrido limitou a incidência do valor revisado ao período compreendido entre a citação e o termo final do contrato original de locação, deixando a descoberto, com isso, o período de prorrogação do contrato por prazo indeterminado, resultante da permanência da locatária na ocupação do imóvel. 3. Os comandos dos arts. 18 e 19 da Lei nº 8.245/1991 autorizam que tanto o locador quanto o locatário, passados 3 (três) anos da vigência do contrato de locação ou de acordo por eles anteriormente celebrado a respeito do valor do aluguel, promovam ação objetivando a revisão judicial da referida verba, com o propósito de ajustá-la ao preço de mercado, servindo, assim, como instrumento jurídico para a manutenção do equilíbrio contratual e o afastamento de eventual situação de enriquecimento sem causa dos contratantes. 4. Tendo a Corte de origem fixado o novo valor do aluguel com amparo na prova pericial, sua modificação se revela descabida, pois o reexame de fatos e provas, a teor do que expressamente dispõe a Súmula nº 7/STJ, é tarefa que escapa à estreiteza da via do recurso especial. Precedentes. 5. A ação revisional de aluguel, por sua natureza, possui campo de cognição restrito, reclamando provas eminentemente técnicas, visto que não abre espaço para discussão de natureza fática. Investiga-se, durante sua fase de instrução, a possibilidade de ajuizamento (pela observância do prazo trienal de que trata o art. 19 da Lei nº 8.245/1991) e a existência de oscilação do mercado capaz de justificar a pretendida readequação do valor livre e anteriormente ajustado pelas partes. 6. Não se pode afirmar nula, em se tratando de ação de revisão de aluguel, a sentença calcada na prova técnica elaborada por perito judicial capacitado, pois é justamente esta a que se revela mais adequada para a sua solução. Precedente. 7. O valor revisado do aluguel substitui por completo o originalmente pactuado, sendo assim exigido desde a citação da parte requerida até o termo final do contrato, considerado este não apenas o expressamente avençado como tal, mas, sim, a data da efetiva desocupação do imóvel no caso de eventual prorrogação do contrato por prazo indeterminado (art. 56, parágrafo único, da Lei nº 8.245/1991). 8. A procedência do pedido autoral, com fixação de novo valor do aluguel em patamar equidistante tanto da pretensão original do locador quanto do valor defendido pelo locatário configura hipótese de sucumbência recíproca, impondo que sejam entre eles proporcionalmente distribuídos o ônus pelo pagamento das custas processuais e da verba honorária advocatícia. 9. Recurso especial de REPEL RECIFE PESCADOS LTDA. provido e recurso especial de TENDTUDO MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO LTDA. parcialmente provido. (REsp 1566231/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 07/03/2016)

Mesmo com o amparo legal, antes de buscar a solução em uma ação judicial, o ideal é tentar uma negociação entre as partes. Entre as formas de negociação, inquilinos estão negociando as alterações almejadas diretamente com o locador, propondo a redução do aluguel em torno de 50% (cinquenta por cento) por um período que varia entre 30 (trinta) e noventa (noventa) dias, e outra proposta é o não pagamento dos alugueis por esse período e, posteriormente, diluir os pagamentos pelos próximos meses, quando tudo se normalizar.

São propostas que estão sendo amplamente aceitas, visto que a crise econômica está afetando a todos os brasileiros de uma forma geral.

Os proprietários têm mostrado disposição em negociar, visto que é melhor para ambas as partes garantir o fluxo de caixa, sem que alguma das partes fique sem ter condições de arcar com suas obrigações.

Diante da situação inesperada que atinge a todos, é necessário que haja a conscientização de que será necessário acharmos os meios menos prejudiciais para dar continuidade a todos os negócios, onde a conciliação com concessões mútuas é o melhor caminho a ser seguido para que a crise seja enfrentada e superada. Isso tudo levando em consideração o bom senso entre as partes.

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