Há algumas semanas o Governo Federal ventila a ideia de contratar militares da reserva para suprir o déficit de pessoal no INSS, que levou a filas de meses para avaliação de pedidos de aposentadoria e licenças.
Após duras críticas, inclusive do Tribunal de Contas da União, a ideia foi modificada e redundou na Medida Provisória 922, publicada ontem, 02/03/2020, como solução para esta questão.
Ocorre que esta Medida é muito mais ampla. Tem como objeto central ampliar as hipóteses de contratação temporária de pessoal em toda a Administração Pública Federal, afetando o concurso público e a estabilidade, ao modificar a Lei 8.745/93, que atualmente regulamenta o art. 37, IX, da Constituição da República.
A contratação temporária é realizada sem concurso público, podendo ser antecedida de processo seletivo simplificado – regra geral – ou de análise curricular – discricionária –, e autorizada pela Constituição apenas em “necessidade temporária de excepcional interesse público”.
Dentre as modificações mais questionáveis, destaca-se uma nova hipótese de contratação de pessoal
p) necessárias à redução de passivos processuais ou de volume de trabalho acumulado, que não possam ser atendidas por meio da aplicação do disposto no art. 74 da Lei nº 8.112, de 1990;
Esta é a mais ampla autorização de contratação temporária já prevista em Lei. Em qualquer âmbito do serviço público em que for verificada a existência de uma fila ou represamento de atendimento, independente do motivo, estaria autorizada a contratação sem concurso público.
Assim, seria teoricamente possível ao gestor não suprir os cargos que forem vagos pelo decurso do tempo – como ocorreu no INSS com déficit de 7.888 cargos, segundo o Instituto – e, frente à fila que gerou, contratar em processo simplificado.
A isto se chama de emergência fabricada em debate semelhante no âmbito das compras públicas.
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União há muito tratam de situação semelhante no âmbito das dispensas de licitação por situação dita emergencial. O gestor que por culpa ou dolo, deixa escoar o prazo para fazer o procedimento de licitação, criando a emergência que justifica a contratação sem disputa, é passível de punição no âmbito administrativo.
Isto é ilegal, pois frauda o dever de licitar, ferindo os princípios da isonomia e da livre competição, protegidos pela Constituição.
Igual lógica pode e deve ser aplicada na defesa do concurso público. O serviço público é marcado pela continuidade na prestação que implica no dever de planejamento na contratação e é resguardada pela atuação de servidores estáveis contratados de maneira impessoal, eficiente e isonômica – o concurso público.
Permitir que sejam contratados servidores temporários em hipóteses tão amplas é tornar a exceção em regra, e esvaziar o princípio da impessoalidade, permitindo ainda maior arbitrariedade dos políticos de ocasião na contratação de pessoal.
Vale lembrar que apesar do prazo máximo de cinco anos de renovação contratual, bastaria ser aprovado em novo processo seletivo simplificado para voltar ao serviço público, sem qualquer prazo de carência, conforme a nova redação do art. 9º, III, da Lei 8.745/93, dado pela Medida Provisória.
Art. 9º O pessoal contratado nos termos desta Lei não poderá:
III – ser novamente contratado, com fundamento no disposto nesta Lei, antes de decorrido o prazo de vinte e quatro meses, contado da data de encerramento de seu contrato anterior, exceto nas hipóteses em que a contratação seja precedida de processo seletivo simplificado de provas ou de provas e títulos. (Redação dada pela Medida Provisória nº 922, de 2020)
Quem defende a moralidade e combate a utilização política dos cargos públicos como cabides de emprego, tem o dever de defender o concurso público e rechaçar esta Medida Provisória.
Fabio Monteiro Lima é advogado, sócio da LIMA & VOLPATTI ADVOGADOS ASSOCIADOS e especialista em direito público.