Um dos objetivos declarados da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 32/2020 é tornar o estado flexível, e apesar de isto parecer uma qualidade, a forma como buscam isso é o seu maior perigo. O Estado precisa de uma estrutura perene para atender ao urgente.
As grandes conquistas sociais, capazes de mudar a realidade de uma nação, são atividades de longo prazo, de prazo indeterminado, esta é a principal função do Estado. A organização destas atividades demanda a construção de instituições e sistemas estáveis. As instituições precisam de um nível de independência —inclusive financeira— das variações de ventos políticos para construírem um corpo técnico voltado ao seu objetivo legalmente estabelecido e constitucionalmente protegido
Estamos em um governo militarizado, então vamos usar um exemplo que eles entendem. Vejam o programa de submarinos que vem desde 1980, teve aumento de recursos nos últimos dois anos e até o final da década colocará o Brasil no rol de 6 nações com submarinos nucleares. O programa é tocado pelos técnicos da Marinha, com investimento independente de crise e estabilidade para que esse conhecimento caríssimo fique na instituição.
Agora pensemos os outros grandes desafios do Brasil, a educação, a saúde, a segurança, a infraestrutura e o saneamento, todos eixos basilares dos países desenvolvidos. Para estes, a PEC tira a estabilidade, tira a continuidade, e busca poder precarizá-los a cada (eterna) crise econômica.
Veja-se as Universidades Públicas e a Pesquisa de ponta, tão vilipendiada. Com a autonomia que lhes restam, as universidades públicas entregam níveis de qualidade muito superiores às particulares e mantêm o avanço da pesquisa, que está na base por exemplo do nosso desenvolvimento agrícola e da exportação. Não existira soja no centro-oeste sem EMBRAPA e não existiria EMBRAPA sem a UFV e tantas outras que formam e colaboram com seus pesquisadores
Isto se traduz no princípio da continuidade do serviço público, o qual se sustenta na legalidade e impessoalidade da gestão. Porém a instituição é tão contínua e eficiente quanto ela puder contar com: i) seleção impessoal e qualificada de pessoal técnico; ii) gestão de pessoal baseada em critérios objetivos; iii) segurança de emprego e salário contra intempéries; e iv) plano de carreira estruturado e baseado em avaliação objetiva para dar visão de futuro ao servidor.
Todos estes princípios são atacados pela PEC n. 32/2020. A restrição do concurso público, incentivando a contratação de pessoal por tempo determinado e de indicados políticos para cargos técnicos mata o primeiro item.
A perda da segurança do emprego e do salário para os contratos por tempo indeterminado ou determinado faz com que mesmo o servidor que ingressou isento, passe a ser um vassalo político em potencial para manter a sobrevivência política e a instituição para de pensar em longo prazo e se foca em favorecimento político de curto prazo.
A própria possibilidade de extinção e fusão de instituições por decreto torna a noção de continuidade e independência das instituições nula. Por exemplo, o COAF, extinto por Medida Provisória (MP) e o seu papel central na investigação da família presidencial. Agora sinais de interferência no sistema de inteligência. Estes abusos ficariam ainda mais simples com esta PEC.
Também os planos de cargos e carreiras estariam em risco, mesmo dos cargos típicos de estado, pois o presidente teria amplos poderes para reorganizar carreiras e modificar cargos vagos ou ocupados. Então, pode-se resumir que a PEC n. 32/2020, em toda sua estrutura, objetiva comprimir o Estado e desestruturar as instituições, passando os serviços públicos de direitos para favores políticos.
*Texto escrito pelo advogado Fabio Monteiro Lima, Sócio-fundador da Lima & Volpatti Advogados Associados.