Foi publicada ontem, 09/03/2023, decisão do Ministro Ricardo Lewandowski afastando a noventena (anterioridade nonagesimal) e dando aplicação imediata ao aumento (restabelecimento) de alíquotas de contribuições ao PIS e à COFINS incidente sobre as receitas financeiras no regime não-cumulativo. Mas como isto afeta o PERSE?
Aqueles que atuam no setor de turismo e eventos certamente sabem que a Medida Provisória 1.147, de 20/12/2022, e a Portaria ME 11.266, publicada em 02 de janeiro de 2023, restringiram a aplicação da alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS instituída pelo PERSE (Lei 14.148, de 03 de maio de 2021) com alguns efeitos imediatos – sem anterioridade. Apenas para rememorar, estas alterações: i) retiraram 50 atividades (CNAES) da lista de enquadramento; ii) restringiram o âmbito da alíquota dentro das empresas beneficiárias.
Isto originou importante dúvida jurídica: Estas restrições deveriam ter respeitado o princípio da vedação da surpresa, especificamente a anterioridade de exercício para o Imposto de Renda e a nonagesimal para as contribuições (CSLL, PIS e COFINS)? Vejamos o que diz a Constituição:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”.
Há farta jurisprudência de que as alterações em benefícios fiscais que limitam ou retiram sua aplicação – alterando hipótese de incidência, fato gerador, base de cálculo ou alíquota – mesmo que realizadas pelo regulamento e não por lei em sentido estrito – se submetem às anteriores adequadas a cada tributo, vejamos um exemplo de 2022:
Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ICMS. REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. MAJORAÇÃO INDIRETA DE TRIBUTO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. 1. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo interposto em face de decisão que, monocraticamente, conheceu do recurso e deu-lhe provimento. O acórdão do TJSP, reformado pelo relator, havia determinado que decreto estadual que revoga benefício fiscal de ICMS produza efeitos apenas a partir do ano seguinte a sua edição, respeitando a anterioridade anual e a noventena, por configurar aumento de carga tributária, nos termos da jurisprudência desta Corte. 2. O ato normativo questionado pelo contribuinte extinguiu benefício fiscal que possibilitava a geração de créditos de ICMS ainda que a circulação de mercadorias fosse isenta. No entanto, seus efeitos começaram a ser produzidos quando da publicação. A anterioridade tributária visa a assegurar a previsibilidade da carga tributária, protegendo a segurança jurídica, a não surpresa e a confiança legítima. Por isso, também deve ser aplicada à revogação ou alteração de benefício fiscal, conforme já reconhecido por esta Corte. 3. Desse modo, divirjo do relator e dou provimento ao agravo interno para negar provimento ao recurso do Estado de São Paulo, a fim de manter o acórdão recorrido.
(ARE 1322395 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 21/02/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 22-03-2022 PUBLIC 23-03-2022)
Ou seja, hoje a jurisprudência é teoricamente favorável a que se reconheça judicialmente a aplicação do princípio da não-surpresa a estas alterações legislativas e regulamentares.
Porém, muitos reagiram com algum assombro à notícia de que o Ministro Ricardo LEWANDOWSKI na ADC 84 determinou a aplicação imediata do Decreto 11.374/2023 que aumentou as alíquotas das contribuições ao PIS e à COFINS incidentes sobre e receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa das referidas contribuições.
O caso tem semelhança com a questão do PERSE por tratar de dois tributos que estão incluídos no Programa, as contribuições ao PIS e à COFINS. Porém, também guarda distinções importantes.
As contribuições ao PIS/COFINS especificamente incidentes sobre as receitas financeiras no regime não cumulativo podem ser “reduzidas e restabelecidas” (não aumentadas) por Decreto em decorrência de expressa previsão legal (art. 27, §2º, da Lei 10.865/04) que foi reconhecida constitucional pelo STF no julgamento do tema 939 da sua Repercussão Geral. Neste julgamento o Supremo reconheceu, também, que este “restabelecimento” deve obediência à anterioridade nonagesimal.
Então, por que o Ministro defendeu a aplicação imediata da nova alíquota?
Porque, especificamente neste caso, a alíquota reduzida nunca chegou a produzir efeitos.
O decreto 11.322, de 30 de dezembro de 2022, publicado na mesma data, reduziu a alíquota com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023, porém foi revogado pelo Decreto 11.374, de 1º de janeiro de 2023 (feriado), publicado em 02 de janeiro de 2023, que repristinou (retomou) a alíquota anteriormente em vigor.
Com isto, o Ministro compreende que a alíquota reduzida não se concretizou – dado que não teve eficácia em nenhum dia útil – sendo mera expectativa de direito, o que desconfiguraria o efetivo aumento de tributo pelo novo Decreto, afastando a necessidade da anterioridade nonagesimal.
Logo, esta argumentação (razão de decidir) não tem qualquer relação com o PERSE e as alterações da MP 1147/22 e Portaria 11.266/22.
A alíquota zero desse Programa estava em vigor desde março de 2022 – como reconhece a RFB na Instrução Normativa 2114, de 30/10/2022 – e foi aumentada para todas as atividades que constam da Portaria 7.163/21 e não constam da Portaria 11.266/22, assim como para as receitas e resultados das empresas ainda enquadradas que não decorram diretamente de uma atividade com código listado na nova Portaria.
A decisão da ADC, enquanto deva estar no radar de todos os que operam no trade, não poderia – corretamente – ser utilizada como objeção ao direito das empresas prejudicadas à vedação da surpresa tributária.
Caso sua empresa tenha sido afetada por estas alterações, entre em contato conosco para que possamos oferecer maiores esclarecimentos.
Fabio Monteiro Lima é advogado, sócio do Lima e Volpatti Advogados Associados, especialista em direito público, pós-graduando em advocacia tributária.
Barbara Gomes Barreto é advogada e contadora, associada da Lima e Volpatti Advogados Associados, especialista em contabilidade e planejamento (UnB) e em direito tributário (IDP).