A interceptação e a gravação telefônica ficaram extremamente famosas com a Operação Lava-Jato. Vimos áudios de conversas “vazarem” para o Jornal, dando ao publico brasileiro o teor de conversas que, sem a tecnologia da gravação, talvez jamais fossem descobertas.
O problema é quando o direito de prova confronta direitos constitucionais como o da intimidade e o da privacidade.
A Constituição Federal é clara em seu Art. 5º, XII, quando dispõe ser inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. A única exceção é no caso de ter ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal.
Em 1996 publicou-se a Lei nº 9.296, que determinou os requisitos para a determinação da instauração da interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza.
Primeiramente, ressalta-se que não é admitida a interceptação das comunicações telefônicas quando não houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis e quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz de ofício ou a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal, ou do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal (Art. 3º I, II).
O pedido deve ser analisado no prazo máximo de 24 horas, devendo ser fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 dias.
Porém, esse prazo pode ser renovável por igual período, depois de comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Por isso vemos interceptações telefônicas com mais de um ano de acompanhamento por exemplo.
A jurisprudência entende não haver número limitado de prorrogações, bastando a comprovação de que a continuidade da interceptação seja indispensável:
[…] Apesar de o artigo 5º da Lei nº 9.296/1996 prever o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a necessidade de dilatação do período. Doutrina. Precedentes (Recurso em Habeas Corpus nº 51.487- SP, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, julgado em 23.06.2015, publicado no DJ em 24.09.2015)
A interceptação deverá ser transcrita e a autoridade policial deverá encaminhar o resultado da interceptação ao juiz, com o resumo das operações realizadas (Art. 6 §2º).
Caso a interceptação seja realizada sem autorização judicial, o responsável poderá cumprir pena de reclusão de dois a quatro anos e multa (Art. 10).
Qual a diferença entre interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação ambiental?
A interceptação telefônica consiste na captação da conversa feita por terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores. Por exemplo: quando o juiz Sérgio Moro mandou interceptar as ligações telefônicas do ex-presidente Lula e, descobriu, na conversa entre Lula e Dilma, que o ex-presidente almejava aceitar um cargo de Ministro para ter foro privilegiado em seu julgamento.
Neste caso nem Lula, nem Dilma consentiram com a captação da conversa. Sendo assim uma interceptação telefônica. Esta deve ser sempre motivada e com autorização de ordem judicial prévia.
A escuta telefônica é a captação da conversa com o conhecimento de apenas um dos interlocutores. Isso é o que ocorre, por exemplo, com agentes infiltrados que utilizam uma escuta, participam de uma conversa com o grupo e, sem este grupo saber, grava a conversa.
Por fim, a gravação telefônica ocorre quando um dos participantes do diálogo, sem a ciência do outro, grava a conversa. Por exemplo: se Técio grava conversa que possui com Mévio sem o consentimento deste.
A distinção entre os tipos se demonstra importante visto que a escuta e a gravação telefônicas não são, necessariamente uma interceptação telefônica em seu sentido estrito, não estando sempre sujeitas à obrigatoriedade de ordem judicial prévia.
A gravação ambiental é aquele realizada no meio ambiente podendo ser clandestina, quando desconhecida por um ou por todos os interlocutores, ou autorizada, quando há ciência e concordância de algum dos interlocutores ou quando decorrente de ordem judicial.
A princípio as gravações clandestinas são ilegais, visto que violam o direito à privacidade dos interlocutores. Porém quando um dos interlocutores promove a gravação da conversa, sem o consentimento do outro, a ilicitude não ocorre.
Para que seja válida a utilização da gravação ambiental clandestina, é necessário que se apresente situação de relevância jurídica, ou de justa causa, como entende o STF:
[…] É lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo, nem de reserva da conversão, sobretudo quando se predestina a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou (STF-RE nº 402.717-8/PA, Rel. Min. Cézar Peluso, julgado em 02.12.2008)
Além disso, no julgado do RE nº 583.937/RJ, o STF reconheceu a repercussão geral da questão, e entendeu que a gravação clandestina é válida nas hipóteses em que o interlocutor a utilize para defender interesse juridicamente relevante e legítimo.
Há também a quebra dos registros telefônicos (quebra do sigilo telefônico). Neste caso, não se trata de captação de conteúdo, mas sim de autorização de acesso aos registros pretéritos de determinado telefone.
E o Whatsapp Web?
Com o avanço da tecnologia o direito se vê inundado de novas questões que, por vezes, ainda não tem a construção doutrinária para resolver.
Por conta disso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser nula a decisão que permitiu o acesso irrestrito, inclusive de mensagens antigas, pelo espelhamento do aplicativo de mensagens Whataspp, por meio da página WhatsappWeb.
A 6ª Turma do STJ entendeu que tal acesso não se equipara à interceptação telefônica, não bastando a autorização judicial.
A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, entendeu que o espelhamento do Whatsapp seria um tipo híbrido de prova. Isso porque a interceptação telefônica permite o acompanhamento das conversas somente após a autorização judicial. Já o espelhamento dá ao investigador acesso a conversas pretéritas e, inclusive permite que este possa interferir na troca de mensagens entre os usuários.
Portanto, não há previsão legal para tal meio de obtenção de prova híbrido.